Parece mas não é

Com cerca de 2 m de comprimento, quase 200 kg e pele rosada, ele sempre esteve à vista de todos. Mas só agora foi identificado, por cientistas brasileiros, como uma nova espécie: o boto-do-araguaia (Inia araguaiaensis).

O animal é a primeira espécie de golfinho de água doce descoberta nos últimos 100 anos. Habitante das águas da bacia do rio Araguaia – que corta os estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará –, até hoje ele era confundido com seu parente mais próximo, o boto-cor-rosa (Inia geoffrensis).

A confusão terminou quando pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) iniciaram um levantamento dos botos do Araguaia imaginando que poderiam ser diferentes dos botos-cor-de-rosa que habitam a bacia do Amazonas. 

Hrbek: “A bacia do Araguaia-Tocantins é praticamente desconectada da bacia do Amazonas. Por isso, pensamos que seria possível que houvesse um processo de diferenciação entre os botos de ambas as bacias.”

“A bacia do Araguaia-Tocantins é praticamente desconectada da bacia do Amazonas; as zonas de contato entre elas são repletas de corredeiras fortes – algumas, inclusive, provocadas pela usina hidrelétrica de Tucuruí – que funcionam como uma barreira que isola os botos de ambas as bacias”, explica o pesquisador da Ufam Tomas Hrbek, um dos autores do estudo publicado na última edição da Plos One. “Por isso, pensamos que seria possível que houvesse um processo de diferenciação entre os botos de ambas as bacias.” 

A hipótese se confirmou com a comparação do DNA do boto do Araguaia com o das outras duas espécies de boto existentes no Brasil, o cor-de-rosa e o Inia boliviensis. Os exames genéticos de mais de 120 animais, juntamente com estudos morfológicos feitos com ossadas de botos encontrados mortos, demonstraram a existência da terceira espécie. 

Separação forçada

Os pesquisadores acreditam que o boto-do-araguaia divergiu do boto-cor-de-rosa há cerca de 2,1 milhões de anos, na transição entre os períodos Plioceno e Pleistoceno, quando ocorreu a separação das bacias do Araguaia-Tocantins e do Amazonas, que antes formavam uma só. 

Se não fossem os testes de DNA, a espécie poderia nunca ter sido descoberta. “Os botos são todos muito parecidos”, aponta Hrbek. “O I. geoffrensis tem o crânio um pouco mais largo em relação ao I. araguaiaensis, além de algumas diferenças dentárias. Mas as diferenças são quase imperceptíveis, ninguém sai por aí abrindo a boca dos botos.”

Ameaçado

Levantamentos anteriores estimam que existam entre 600 e 1.500 botos vivendo no Araguaia. A nova espécie mal foi descoberta e já está ameaçada. “Desde a década de 1960, a bacia do Araguaia-Tocantins tem sofrido a pressão da presença humana, com o desenvolvimento de indústrias, agricultura, pecuária e a construção de hidrelétricas, que têm impactos negativos sobre o ecossistema”, diz Hrbek.

Distribuição dos botos
O mapa mostra a ocorrência das diferentes espécies de boto fora e dentro da bacia do Amazonas (delimitada em preto).(foto: Divulgação)

O pesquisador alerta que estudos como esse são fundamentais para a preservação ambiental. “Se não sabemos nem que a espécie existe, não há como preservá-la”, pondera. “No caso deste boto, as pessoas poderiam pensar que bastava preservar os do rio Amazonas, já que os do Araguaia eram os mesmos e mais periféricos.” E acrescenta: “Pensamos que conhecemos nossa biodiversidade e descobertas como esta mostram que ainda não sabemos muita coisa.”

 

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

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