O pula-pula assobiador (Basileuterus leucoblepharus) é uma espécie endêmica da porção sul da mata atlântica, encontrada principalmente nas serras do Mar e da Mantiqueira (foto: USP).
O canto de uma espécie de pássaro típica da mata atlântica tem propriedades inusitadas, conforme descobriram biólogos brasileiros e franceses. Ao analisar a forma como o pula-pula assobiador se comunica, eles concluíram que o significado das informações muda conforme as propriedades do canto, principalmente a freqüência e a intensidade, são alteradas pelos obstáculos da floresta. Os pesquisadores verificaram que a ave tem dois tipos de canto: o público e o privado, com propriedades e funções diferentes.
“O canto público é grave e, por ter freqüências mais baixas, atinge distâncias maiores e permite ao indivíduo localizar outros exemplares da espécie que estejam em um raio de até 100 metros do emissor”, explica o biólogo Danilo Boscolo, da Universidade de São Paulo (USP), um dos autores do estudo.
“Já o canto privado é agudo, apresenta freqüência alta e se restringe às proximidades do seu emissor. É fundamental para identificar possíveis invasores no território”, completa o biólogo. “Vale lembrar que as freqüências mais altas são rapidamente eliminadas pelas folhas largas e pelas árvores da mata em comparação com as freqüências baixas.”
As observações ajudam os biólogos a explicar a expressiva densidade na mata atlântica dessa espécie conhecida pelo seu canto aparentemente agudo. Caso seu canto não atingisse distâncias maiores, encontrar parceiros para a reprodução seria uma tarefa bastante difícil. Por outro lado, a capacidade de constatar a presença de intrusos em seu território também é muito importante, tendo em vista a forte competição que essa ave enfrenta por alimentos, basicamente insetos.
Para chegar a essas conclusões, em um primeiro momento os pesquisadores gravaram o canto dos pássaros diretamente da natureza. As gravações foram tratadas em computador, para que os ruídos do ambiente fossem eliminados, de forma a isolar apenas o canto das aves.
Ouça o canto do pula-pula assobiador
Clique aqui para ouvir um arquivo com o canto sintético completo da ave, obtido em computador por eliminação dos ruídos do canto gravado diretamente da natureza (arquivo wave, 211 KB). Clique aqui para ouvir a gravação do canto completo do pássaro, já degradado, após viajar 100 metros pela floresta. Apenas no final do arquivo é possível ouvir ao fundo o canto que corresponde a uma mensagem pública do pula-pula assobiador (arquivo wave, 431 KB). Fonte: Mathevon, N. et al. (2008) Global warming 2007. Singing in the rain forest: How a tropical bird song transfers information. PLoS One 3(2): e1580. doi: 10.1371/journal.pone.0001580.Em seguida, uma equipe voltou à floresta e espalhou diversos alto-falantes que reproduziam o canto gerado por computador. As respostas dos outros indivíduos da espécie foram gravadas e analisadas. Os resultados do estudo foram publicados na revista eletrônica PLoS One.
O caso do pula-pula assobiador ilustra como o ambiente – no caso, as propriedades acústicas da mata atlântica – influencia a propagação das mensagens que os pássaros pretendem transmitir. A estrutura da floresta foi essencial para determinar as características do canto por meio da seleção natural. “Se o canto não fosse eficiente no interior da mata, certamente ele não teria sido selecionado”, destaca Boscolo.
Instinto de defesa
O pula-pula assobiador (Basileuterus leucoblepharus) costuma medir 10 centímetros, pesa 20 gramas e vive na parte mais baixa (sub-bosque), na porção sul da mata atlântica. Sua alimentação é composta por pequenos insetos e, como a maioria das aves insetívoras, costuma apresentar um forte instinto de defesa territorial. Segundo Boscolo, isso acontece porque a escassez de alimento é maior para esses indivíduos do que para as aves frugívoras e onívoras, que encontram frutos com maior facilidade na floresta.
Embora o pula-pula assobiador ainda não seja considerado uma espécie em extinção, sua densidade populacional tem caído drasticamente. A ave já não ocorre mais em áreas de mata atlântica com menos de 20% de sua cobertura original. Por isso, pode ser usado como indicador para identificar áreas com elevado grau de degradação e de fragmentação da floresta.
Andressa Spata
Ciência Hoje On-line
22/02/2008