Uma nova espécie de peixe que vive exclusivamente em cavernas foi descoberta na Gruna da Tarimba, em Mambaí (GO), a cerca de 500 km de Goiânia, durante uma expedição de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) ao local. O animal, batizado de Ituglanis boticario, foi descrito oficialmente na revista da Sociedade Brasileira de Zoologia.
Segundo o ictiólogo Pedro Rizzato, pesquisador da UFSCar na época da descrição da nova espécie e agora doutorando na Universidade de São Paulo, esse peixe tem um papel biológico de extrema importância no local onde vive. “A espécie alimenta-se principalmente de invertebrados aquáticos, como larvas de insetos e, por isso, é essencial para o equilíbrio do ambiente por controlar as populações de suas presas e impedir que elas se proliferem”, explica.
Em 2004, já tinham sido vistos e coletados dois exemplares dessa espécie na mesma região. Entretanto, essa pequena quantidade de peixes inviabilizava uma descrição científica detalhada. Foi apenas em 2013, com o financiamento da Fundação Boticário de Proteção à Natureza, que as expedições às cavernas puderam ser retomadas e novos exemplares, coletados.
Para Rizzato, esse é um achado importantíssimo, sob vários aspectos. “Trata-se de uma espécie pertencente a um grupo pouco conhecido de peixes, os bagrinhos tricomicterídeos, e a descrição de outras espécies traz novas e importantes informações que permitem aos pesquisadores conhecer melhor as relações evolutivas entre os organismos”, avalia. E complementa: “Além disso, o fato de esta ser uma espécie exclusivamente subterrânea é altamente relevante, já que o Brasil é atualmente o segundo país com o maior número de espécies subterrâneas conhecidas no mundo, ficando atrás apenas da China.”
O I. boticario é um peixe troglóbio – palavra que vem do grego troglos = ‘caverna’. Outra característica marcante dos peixes desse grupo é a presença de pequenos dentes, semelhantes a espinhos, na região lateral da cabeça. Eles servem para que o animal se prenda às pedras no fundo dos rios, evitando que seja levado pela correnteza ou em enxurradas.
A espécie recém-descoberta possui o corpo fino e alongado, podendo medir até 10 centímetros de comprimento. Apesar de semelhante a outros peixes de sua região, o I. boticário apresenta certas particularidades. “Os olhos são menores, sua pigmentação mais clara e os barbilhões, que são estruturas sensoriais semelhantes a bigodes, mais longos”, explica o ictiólogo.
Pressão antrópica
Infelizmente, a espécie já está ameaçada de extinção. Os peixes dependem de alimentos levados pela água da chuva para dentro da caverna (como larvas de insetos e outros pequenos invertebrados e até matéria em decomposição). Mas, por causa dos desmatamentos e do uso de agrotóxicos e pesticidas no entorno, eles têm dificuldade de encontrar comida. Além disso, a urina do gado criado nas proximidades da caverna também é prejudicial, pois libera na água grandes concentrações de amônia, uma substância tóxica.
“Em uma contagem feita em uma área de 200 metros de extensão do rio subterrâneo que fica dentro da gruta, foi constatada a presença de 20 a 30 peixes adultos”, pontua Rizzato. “Isso já é considerado uma população muito pequena e reflete as dificuldades que a nova espécie enfrenta por lá.”
Para proteger I. boticario e outros seres que vivem na Gruna da Tarimba ameaçados pela ação humana, o pesquisador defende a criação de unidades de conservação nos arredores da caverna. “Pela ocorrência dessa nova espécie de peixe, bem como por outras características relevantes que apresenta, o local deve ser considerado pela legislação ambiental de proteção às cavernas vigente no país um ambiente de máxima prioridade de conservação, e medidas devem ser tomadas pelos órgãos ambientais para fazer valer essa legislação e preservar o patrimônio da Gruna da Tarimba”, ressalta.
Valentina Leite
Ciência Hoje On-line