Pela revisão das estratégias de conservação

É preciso rever os critérios usados na seleção de áreas a serem protegidas nas reservas ambientais. Atualmente, a estratégia de conservação mais adotada consiste em incluir nessas reservas as regiões que concentram os maiores focos de biodiversidade – os chamados hotspots . Esse procedimento, no entanto, corre o risco de deixar desprotegidas muitas espécies endêmicas e ameaçadas de extinção.

A conclusão é de um estudo dos ecólogos Gerardo Ceballos, da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), e Paul Ehrlich, da Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA). O alerta foi publicado esta semana no site da revista PNAS .

Os mapas mostram os hotspots  com maior riqueza de espécies (A), espécies endêmicas (B) e espécies ameaçadas (C). Como não há superposição entre os três, a seleção de áreas protegidas deve levar em conta a complementaridade entre eles (imagens: PNAS ). Clique no mapa para ampliá-lo.

Para avaliar a eficácia dos hotspots de biodiversidade como critério para a definição das áreas prioritárias para conservação, Ceballos e Ehrlich examinaram a distribuição de 4818 espécies de mamíferos não-marinhos em todo o globo. À exceção dos mares e geleiras, o planeta foi dividido em 17.800 células de 100 x 100 km.

Entre as células, os ecólogos identificaram os 2,5% que representariam hotspots definidos em função de três critérios: as regiões com maior número de espécies (o parâmetro mais usado na definição das estratégias de conservação); as regiões com maior número de espécies endêmicas, ou seja, que não ocorrem em outros pontos do globo; e as regiões com maior número de espécies ameaçadas de extinção.

A comparação dos mapas com os três tipos de hotpspots mostra que não há uma superposição entre os três, ou seja, as áreas com maior riqueza de espécies são, de maneira geral, distintas das que têm mais espécies endêmicas e das que têm mais espécies ameaçadas. Apenas 1% das células e 16% das espécies consideradas (444 entre quase 5 mil) eram comuns aos três tipos de hotspots .

Amazônia e mata atlântica
O exemplo do Brasil ilustra esse quadro de forma clara: enquanto boa parte da Amazônia está incluída nos hotspots de biodiversidade, o bioma nacional mais bem representado entre os hotspots de espécies ameaçadas é a mata atlântica – o que não surpreende, sabendo-se que só sobraram menos de 8% da floresta original. “Áreas fora da Amazônia são importantes para a conservação de mamíferos no mundo”, disse Gerardo Ceballos em entrevista à CH On-line . “Isso já é bem sabido no Brasil, mas nossa análise coloca esse fato em uma perspectiva global.”

A análise dos dados mostra que uma estratégia de conservação voltada para a proteção de apenas um dos três grupos de hotspots deixará de lado um número importante de espécies. E este está longe de ser o único desafio de cientistas e administradores na formulação das futuras políticas de conservação. Entre outros obstáculos, os autores citam os impactos do aquecimento global – ninguém sabe ao certo como as diferentes espécies vão migrar em resposta às mudanças climáticas, o que torna mais complexa a tarefa de conservá-las.

Mas como reorientar as estratégias de conservação? Segundo os autores, a definição das áreas protegidas em reservas deve obedecer ao princípio da complementaridade, ou seja, devem ser selecionados trechos que maximizem a representação de espécies em um número mínimo de áreas. “Devemos ir além dos hotspots , incorporando novos paradigmas como a otimização da seleção de reservas, a complementaridade e o manejo de áreas situadas fora de reservas”, sintetiza Ceballos.

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
11/12/2006