Penalidade máxima!

O estresse pode prejudicar a reposta motora. O jogador deve fingir que o goleiro é invisível e mirar só o gol. Já o goleiro deve se deslocar um pouquinho para um dos lados, para induzir o jogador a chutar para o outro. Essas são algumas das mais novas conclusões de estudos sobre o pênalti, tema que ocupa matemáticos, físicos, fisiologistas, psicólogos…

O objeto de estudo é realmente muito tentador: tem-se um chute de impacto e precisão, uma curta distância (11 m), um brevíssimo espaço de tempo (a bola leva coisa de um quarto de segundo para chegar ao gol), uma enorme pressão e um resultado decisivo – o que acontecer ali vai levar metade do estádio a explodir e a outra metade a murchar e antecipar o voo de volta para seu país.

Jabulani
A Jabulani, personagem controversa da Copa: estudo da Nasa concluiu que a trajetória bola torna-se imprevisível a partir de 73 km/h. Os chutes a pênalti podem passar dos 100 km/h (foto: Wikimedia Commons).

A disputa de pênaltis em casos de empate foi introduzida na Copa em 1982. Desde então, 20 partidas foram decididas nos pênaltis, inclusive duas das últimas quatro finais: a de 1994 (Brasil e Itália) e a de 2006 (Itália e França, que não correm o risco de se enfrentar nos pênaltis neste ano).

Há quem diga que ir aos pênaltis não é muito diferente de jogar a moeda, como se fazia antes de a estratégia ser ‘inventada’ em 1970, pelo ex-árbitro alemão Karl Wald. Mas, a julgar pelos estudos sobre o tema, há muito mais do que sorte em jogo. Há nervos, músculos e estratégias a seguir, tanto por parte do goleiro quanto do batedor. 

Comecemos pelo goleiro, que, afinal, é a parte mais desfavorecida da relação. Um gol tem 7,32 m de largura e 2,44 m de altura, e é impossível cobrir todos os cantos nos microssegundos que a bola leva para chegar – um estudo da Universidade de Erlangen, na Alemanha, calculou que, para defender bolas que chegam nos cantos superiores da direita ou esquerda do gol, um goleiro teria que se deslocar a cerca de 35 km/h – mais rápido que a velocidade atingida pelos velocistas no auge dos cem metros rasos!

“Se estiver diante de um grande batedor e a bola vier no ângulo, a defesa é praticamente impossível”

Portanto, segundo Paulo Zogaib, pesquisador do Centro de Estudos em Medicina da Atividade Física e do Esporte (Cemafe), da Unifesp, e fisiologista do Palmeiras, o goleiro deve reconhecer, em primeiro lugar, que há pênaltis possíveis e outros impossíveis.

“Se estiver diante de um grande batedor e a bola vier no ângulo, a defesa é praticamente impossível”, diz ele. “Então ele precisa se preparar psicologicamente para defender as bolas que vierem em seu raio de ação”. Essencial, portanto, seria exercitar reflexo, impulsão e, claro, cabeça fria. “O que vemos é uma ansiedade muito grande do goleiro. Ele acaba saltando antes, tentando adivinhar um canto, e com isso abre espaço para o jogador bater”, aponta.

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Poder inconsciente

Se a bola vier fora de seu raio de ação, resta alguma esperança para o goleiro? Talvez não a de fazer um salto milagroso. Mas um estudo divulgado hoje, 24 de junho, na Alemanha sugere que ele tem mais influência sobre o desempenho do batedor do que se pensava. Pesquisadores da Universidade de Saarbrücken e da Universidade do Esporte de Colônia constataram que determinados gestos e mudanças na posição do goleiro provocam os jogadores de forma inconsciente.

Eles fizeram o estudo com 81 jogadores, metade deles profissionais e metade iniciantes. Cada um bateu 54 pênaltis, confrontados por diferentes comportamentos e posicionamentos do goleiro.

Ao se deslocar levemente do centro do gol – cerca de 10 centímetros para a esquerda, ou para a direita –, o goleiro induziu grande parte dos jogadores a chutar para o lado deixado mais ‘aberto’. Assim ocorreu em 80% das vezes entre os jogadores profissionais, e 75% entre os iniciantes. Os números foram ainda maiores quando o goleiro apontava de leve com a mão para a direção correspondente.  

Os goleiros poderiam, assim, influenciar o lado para o qual o jogador vai chutar sem que ele sequer perceba

Os goleiros poderiam, assim, influenciar o lado para o qual o jogador vai chutar sem que ele sequer perceba. Se os batedores seguirem o que recomenda um outro estudo, porém, o efeito estará zerado: desta vez, a dica é fingir que o goleiro é invisível e mirar exclusivamente no ponto da rede que querem fazer balançar.

Liderada pelo psicólogo Greg Wood, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, a pesquisa constatou que jogadores prestes a chutar o pênalti podem ser distraídos pelo goleiro. A equipe muniu dezoito jogadores de times universitários britânicos com tecnologia de rastreamento dos olhos e acompanhou seu foco nos pênaltis. O estudo deve ser publicado em breve no periódico Journal of Sports Sciences.

Segundo Wood, nossa tendência é focalizar coisas ameaçadoras no ambiente. Quanto mais ameaçador parecer o goleiro, pior. “Não ligue para o goleiro”, disse o pesquisador  à agência Associated Press. “O controle é do batedor, e ele deve se conscientizar disso, tirar confiança disso, alinhar os olhos e deixar que a visão dê ao cérebro a informação necessária para um chute preciso.”

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Fator estresse

A pressão é inimiga da precisão: de acordo com outro estudo divulgado durante a Copa, o estresse interfere diretamente no desempenho dos jogadores de futebol. 

A pressão é inimiga da precisão

Para medir como o estresse afeta a resposta motora, o pesquisador Nelson Toshiyiki Miyamoto, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), angariou voluntários para sessões que simulavam cobranças de pênalti no computador. Ora sozinhos, ora sob pressão de 70 alunos dos cursos de Educação Física e Esporte da USP, que simulavam uma torcida de futebol.

O aproveitamento foi de quase 100% sem o barulho da torcida. Já diante da plateia, os acertos não passaram de 80%  – mesmo quando o ‘goleiro’ do programa dava pistas do lado para que ia pular.

“Na situação com estresse, o jogador acaba pensando nas consequências de um erro. Inconscientemente, faz uma programação motora inadequada. Na hora de executar, acaba chutando de uma forma errada”, diz Miyamoto, que fez o estudo para seu doutorado.

Mais do que prova de habilidade, a disputa de pênaltis é também um teste de nervos, diz Geir Jordet, professor associado da escola de Ciência do Esporte da Escola Norueguesa em Oslo. Em entrevista à Reuters, ele afirma que técnica ou habilidade não valem nada se o jogador não conseguir manter a calma. 

Técnica ou habilidade não valem nada se o jogador não conseguir manter a calma

“Disputas de pênaltis não são decididas por grandes chutes, mas sim por aqueles dois ou três atletas que falham por causa da pressão”, considera ele, que estuda o histórico das cobranças para entender o que leva alguns jogadores e países a falhar ou acertar mais. Enquanto a Alemanha se safou em todas as suas quatro disputas de pênalti em Copas do Mundo, a Inglaterra sofre com um carma pesado: saiu derrotada de todas.

Estudar o comportamento de jogadores no passado pode ser uma saída para goleiros. Um estudo britânico de 2002 concluiu que é possível prever a direção da bola na cobrança de pênalti observando-se o ângulo dos ombros e da perna de apoio do batedor em relação ao chão.

Na disputa nas quartas-de-final de 2006, o alemão Jens Lehmann ficou tão famoso pelos pênaltis decisivos que defendeu contra a Argentina quanto o papelzinho que tirava da meia – na ‘cola’, ele teria anotado o lado para o qual cada jogador costumava chutar.

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A matemática também procura antecipar respostas, mas, de acordo com o matemático Carlos Frederico Palmeira, da PUC-Rio, o cálculo da probabilidade de pênaltis é complexo e bastante incerto. O mais comum é fazer estudos estatísticos, que procuram prever, a partir dos números do passado, o que vai acontecer no futuro.

“Quando um técnico escolhe os jogadores para bater pênaltis, ele coloca aqueles que tiveram o melhor desempenho no treino. Mas não é tão simples assim”, diz ele, voltando para a Copa de 1994. “O jogador italiano que perdeu o pênalti na final [Roberto Baggio] foi o que acertava todos os chutes nos treinos. E o Romário, que não treinava pênaltis e nem era do grupo que ia bater, foi lá e fez”, lembra.


Júlia Dias Carneiro

Ciência Hoje On-line