Pequenos cortes, grandes resultados

Maria da Conceição Aguiar, aposentada de 50 anos, viveu dois anos de dor extrema na coluna. A causa era uma hérnia de disco que chegou a paralisar seu lado esquerdo do corpo. Na última terça-feira, ela foi submetida a uma cirurgia para tratar a doença. No mesmo dia teve alta e deixou o hospital de ônibus. Para quem já ouvir falar em cirurgias de coluna, a cena pode parecer inacreditável. Mas é a mais pura verdade. Maria e mais cinco pacientes participaram de uma série de cirurgias de coluna minimamente invasivas, algumas realizadas pela primeira vez no Brasil, no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

As cirurgias, apresentadas na última quarta-feira (11/04) no Simpósio Internacional de Cirurgias e Técnicas Minimamente Invasivas da Coluna (Siminco), foram custeadas por empresas fabricantes de material hospitalar e conduzidas por especialistas internacionais e médicos brasileiros. 

Chamadas de artrodeses, essas operações são usadas para tratar casos graves de hérnia e degeneração dos discos, ‘amortecedores’ que ficam entre as vértebras da coluna. Nesse tipo de cirurgia, é feita uma estabilização das vértebras para que elas não se movam, evitando a compressão e o desgaste do disco. É a compressão dos discos que causa dores na coluna e no nervo ciático, que se estende da região lombar até as pernas. 

Tradicionalmente, esse tipo de cirurgia é muito agressivo. Na fixação das vértebras são usados parafusos e pedaços de metal. Grandes cortes, de 15 a 20 cm, são feitos para introduzi-los. Para chegar ao osso, o cirurgião tem que afastar pele e músculos e acaba, inevitavelmente, danificando os tecidos – o que causa grande dor pós-operatória.

O trauma da cirurgia é tanto que o procedimento já se tornou um tabu entre muitos pacientes, como conta a professora Regina Machado, de 57 anos, que também foi operada com um método não invasivo no hospital universitário. “Uma conhecida minha fez a cirurgia tradicional e teve um pós-operatório muito sofrido, ela chegou a dizer que, se pudesse voltar atrás, não faria de novo, de tão grande que foi a dor.”

Nas cirurgias de artrodese minimamente invasivas as incisões são menores e o paciente pode ter alta no mesmo dia

O medo não é infundado. “Há inúmeros casos de pacientes que saíram da mesa de operação incapacitados, tamanha a agressividade dessas cirurgias”, conta o médico Pil Sun Choi, da Universidade de São Paulo (USP), organizador do evento e presidente fundador do Comitê de Cirurgia Minimamente Invasiva da Sociedade Brasileira de Coluna.

Nas cirurgias de artrodese minimamente invasivas as incisões são bem menores, variando de 5 cm a 1 cm. A recuperação é quase imediata, com a alta em no máximo dois dias. 

Uma das técnicas trazidas pelo simpósio ao Brasil foi a Perpos 360, feita pela primeira vez na América Latina. Nessa cirurgia, um pequeno corte é feito na altura do disco danificado para introduzir uma espécie de canudo de metal por onde é inserido um dispositivo expansível coberto de enxerto ósseo artificial. 

Assista ao passo a passo da cirurgia Perpos 360. (Atenção, as imagens podem ser impactantes)

 

Quando o dispositivo é dilatado, preenche o lugar do disco e une as vértebras. Para garantir a fixação, é introduzido outro canudo por onde é inserido um parafuso que atravessa as duas vértebras. Todo o procedimento é feito com o auxílio de imagem por radioscopia, que permite ver o que acontece por dentro do corpo em uma tela. 

Outra técnica avançada é a Apollon, que também usa radioscopia e canudos inseridos através da pele para introduzir parafusos nas vértebras. Os parafusos são fixados nas vértebras acima e abaixo do disco danificado e depois unidos por uma haste de metal inserida por uma pequena incisão na pele.

Em ambas as cirurgias, há pouco sangramento, poucos danos aos tecidos e menos tempo de internação em comparação aos métodos tradicionais. Mas as técnicas minimamente invasivas requerem mais tempo de aperfeiçoamento dos cirurgiões, além de instrumentos importados, e por isso, atualmente, são pouco usadas no Brasil – ocorrem apenas na rede privada de saúde.

Confira uma animação que mostra a técnica Apollon

Acesso para todos

As operações no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle são as primeiras cirurgias do tipo feitas na rede pública, mas apenas de modo experimental. “Essas cirurgias são o que temos de mais avançado hoje na medicina para tratamento vertebral”, afirma Choi. “Esperamos que essa iniciativa inaugure uma nova era em que milhares de pacientes da rede pública sejam beneficiados.”

Apesar de serem indicadas apenas para casos mais graves de hérnia e deformação de disco e utilizarem um material com custo mais elevado, Choi defende que as cirurgias minimamente invasivas para a coluna têm um melhor custo benefício e deveriam ser introduzidas na rede pública. 

Choi defende que as cirurgias para coluna minimamente invasivas têm um melhor custo benefício e deveriam ser introduzidas na rede pública

“A prevalência de problemas de coluna que necessitam de cirurgia é de cerca de 1% ao ano, mas se temos 200 milhões de habitantes no Brasil, 200 mil pessoas por ano precisam de procedimento cirúrgico”, calcula. “Além disso, se botarmos na ponta do lápis os custos que temos com sangue, pós-operatório e complicações decorrentes da cirurgia tradicional, elas saem tão caras quanto as minimamente invasivas –  é um barato que sai caro.”

O médico conta que o Hospital Universitário da USP já tem uma equipe treinada capaz de realizar esse tipo de cirurgia. O mesmo afirma o diretor do hospital da Unirio, Paulo de Carvalho. “Temos o conhecimento para realizar as cirurgias, só não temos ainda o apoio financeiro do governo”, diz. E completa: “Precisamos mobilizar a sociedade, que paga impostos, os médicos, a comunidade científica, os políticos e as seguradoras de saúde para que a população tenha acesso a um tratamento digno que, hoje, só uma minoria pode ter.”


Sofia Moutinho

Ciência Hoje