Pesquisa de ponta despreza problema de saúde pública

745 mil pessoas morreram de sarampo em 2001. A malária provoca cerca de um milhão de mortes por ano em áreas tropicais e 1/3 da população mundial está infectada pelo bacilo da tuberculose atualmente. Embora alarmantes, esses dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) não parecem comover os cientistas: pesquisadores canadenses mostraram que as moléstias que mais matam no globo não estão entre os temas abordados com maior freqüência pelos periódicos especializados.

O estudo, publicado no Canadian Medical Association Journal ( CMAJ ) em 25 de maio, analisou artigos publicados em seis conceituadas revistas médicas — além do próprio CMAJ, Annals of Internal Medicine, British Medical Journal, Journal of the American Medical Association, The Lancet e New England Journal of Medicine . “Periódicos de grande circulação têm enorme potencial para alertar a comunidade médica em geral sobre os problemas mundiais de saúde”, explica a doutora Paula Rochon, da Universidade de Toronto, uma das autoras do artigo.

A equipe de Rochon elaborou, a partir de dados da OMS relativos a 1999, duas listas com as 30 principais causas de morte e invalidez no mundo. Cinco fatores foram excluídos: guerra, homicídio ou violência, ferimentos induzidos, afogamentos e queimaduras. Os cientistas puderam então comparar essas listas com a relação das doenças mais abordadas nos estudos publicados naquele ano.

Foram selecionados 286 artigos dos periódicos. Entre estes, 124 — menos da metade — se referiam a uma das 35 doenças observadas nas listas das principais causas de morte e invalidez, sendo que 61 se concentravam em apenas três males: isquemia cardíaca (33 artigos), HIV/AIDS (18) e problemas cérebro-vasculares (10). Sete causas de problemas de saúde mencionadas nas listas sequer foram representadas nas publicações avaliadas.

Numa segunda etapa, os cientistas selecionaram, entre os 124 artigos, 90 títulos que contemplavam as 12 principais doenças citadas em ambas as listas e os enviaram a especialistas de organizações internacionais de saúde. Esses peritos tinham que dar notas de 1 a 5 a cada título, em função da relevância desses textos para a saúde mundial. A nota média das avaliações foi de 2,6.

“O valor indica que os artigos têm pouca relevância para a saúde internacional”, explica Rochon. Apenas 14 dos 90 artigos tiveram notas 4 ou 5. Destes, 9 falavam sobre HIV/AIDS, 3 sobre diarréia e 2 sobre malária. “Um razão potencial para esse resultado é que o estudo de terapias dessas doenças pode ser benéfico mas tem custo alto, diante das pessoas que precisam dos tratamentos em países de baixa renda”, aponta Rochon.

A pesquisadora ainda comenta que a saída urgente não seria descobrir a cura para esses males, mas a maneira mais eficiente de distribuir os tratamentos disponíveis. “Esses resultados podem produzir o ímpeto necessário para profissionais da área de saúde refletirem sobre como usar sua perícia para ajudar a quem precisa”, diz Rochon à CH On-line . “Se conseguirmos estimular o desenvolvimento dessas pesquisas, contribuiremos para uma melhora da saúde global”, conclui.

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
23/06/04