Pesquisador brasileiro ganha prêmio internacional

 


Ubiratan D’Ambrosio foi premiado com a Medalha Felix Klein por seu trabalho na área de educação em matemática, em especial o desenvolvimento da etnomatemática.

Concedida a cada dois anos pela Comissão Internacional em Instrução Matemática (ICMI), a Medalha Felix Klein é o reconhecimento do trabalho realizado por um profissional durante toda sua vida no campo da educação em matemática. Na segunda edição do prêmio, referente a 2005, o agraciado foi Ubiratan D´Ambrosio, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), por suas idéias pioneiras na área. Ele é considerado um filósofo pela ICMI por ter desenvolvido, na década de 1970, a etnomatemática (forma diferente de pensar não só a matemática, mas também o ensino da disciplina), um de seus trabalhos mais reconhecidos e que deu origem a várias linhas de estudo. Em 2001, D´Ambrosio ganhou a Medalha Kenneth O May, também da ICMI, pelas contribuições na pesquisa em história da matemática. É autor de dezenas de livros e artigos em revistas especializadas. Em entrevista à CH On-line , ele fala sobre a proposta da etnomatemática e defende um novo sistema de ensino que respeite mais a diversidade.

CH On-line – O que caracteriza a etnomatemática?
Ubiratan D’Ambrosio – A idéia foi lançada na Austrália em 1984, no 5º Congresso Internacional de Educação Matemática, mas já vinha sendo trabalhada anteriormente. A matemática tem raízes históricas. O desenvolvimento dessa ciência aconteceu na bacia do mediterrâneo, principalmente na Grécia e no Egito. Simultaneamente, outras civilizações também desenvolveram saberes matemáticos de maneiras diferentes, como os povos da América e das Índias. Com o processo de colonização, essas diferentes formas de entender a matemática foram suprimidas pela visão européia, que dominou a maior parte dos povos e impôs um tipo determinado de educação. Mas o sistema de ensino trazido pelos europeus deixou lacunas. A pergunta que precisamos fazer é o que faltou. Precisamos conhecer a matemática das outras sociedades para descobrir. No sistema educacional implantado, o conhecimento das culturas dominadas foi quase completamente ignorado. É preciso ouvir a matemática deles também. Não se trata de substituir uma coisa pela outra, mas de absorver esse conhecimento e incluí-lo na cultura dominante.

Qual a proposta pedagógica dessa linha de pensamento?
Eu aponto três aspectos que precisam ser discutidos no sistema de ensino, e isso se aplica a tudo e não apenas à matemática. Primeiro, as crianças precisam respeitar o diferente. Se há diferenças entre sociedades e tradições, é necessário respeitar essas variações. Para isso, é imperativo conhecer o diferente. Ensinar matemática para a criançada não é mostrar formas de pensar absolutas e um único jeito de resolver os problemas. Sempre existe uma forma diferente de fazer. Outro ponto é que os jovens não se interessam pelos problemas matemáticos. Eles não irão aprender se não virem um sentido na matéria. O educador precisa gerar curiosidade para que o estudante se envolva no problema e use todo o conhecimento que tem para achar a solução. O estudante precisa ver alguma importância na busca da resposta. É assim que ele vai usar isso na vida cotidiana. Essa é a proposta pedagógica da etnomatemática. Não é uma idéia associada a etnias ou matemáticas de indígenas; esse nome se relaciona com a cultura. O terceiro ponto é que somos uma sociedade. Tudo o que fazemos depende dos outros e, por isso, trabalhar em grupo é muito importante. Esse é um método fundamental da pedagogia, mesmo que uns trabalhem mais que os outros. É preciso ensinar os alunos a cooperarem.

Como você avalia o ensino de matemática no país?
O ensino de matemática atual tem essa característica de fazer o estudante aprender conteúdos que não fazem sentido para ele. Os professores precisam fazer com que os alunos se envolvam com a matemática, ensinando de forma crítica e criativa. Se os estudantes não questionarem as ordens que recebem, serão cidadãos dóceis e obedientes. Hoje os jovens são mais bem informados e por isso discutem a utilidade dos conteúdos. A diversidade tem que ser aceita no sistema educacional. Um jovem pode aprender a dançar, por exemplo, e outro não. Com a matemática é a mesma coisa. Infelizmente temos testes padronizados que pressupõem que todos são iguais. Existe um aprendizado suficiente para a vida cotidiana. O que o aluno precisa é de capacidade de trabalhar em grupo. Na educação, é mais importante formar a personalidade do que oferecer conhecimento pura e simplesmente. Conhecimento nós temos de sobra no mundo contemporâneo. Para mim, esse é o grande erro da educação atual, tanto no Brasil como no mundo.

Este ano aconteceu a primeira Olimpíada de Matemática para as escolas públicas do país e o número de inscritos surpreendeu. Qual a importância desse tipo de iniciativa?
A Olimpíada mostra que estamos sendo capazes de identificar talentos matemáticos numa população de 180 milhões de pessoas. Temos uma comunidade estudantil enorme, em que alguns alunos gostam de matemática, e precisamos fazer com que eles desenvolvam ao máximo essa capacidade. Esse é o papel das Olimpíadas. Mas isso não quer dizer que elas sejam suficientes. É preciso dar a todos oportunidades de crescer na área em que sejam mais criativos e que gostem mais. O sistema escolar, tratando todos de forma padronizada, não estimula o surgimento de talentos.

Franciane Lovati
Ciência Hoje On-line
06/06/2006