Piranhas unidas jamais serão vencidas

Ao contrário do que muitos filmes de terror mostram, as piranhas não se organizam em grandes cardumes para devorar as pobres vítimas que encontram pela frente. Pelo contrário, esse agrupamento se dá em busca de proteção contra seus predadores, como mostram experimentos realizados na reserva de Mamirauá, no estado do Amazonas.

Cardume de piranhas mantidas em aquário.

Apesar da fama de carnívoras e assassinas, as piranhas se alimentam principalmente de material de origem vegetal. Pequenos invertebrados, insetos e pedaços de animais mortos são apenas uma parcela minoritária de sua dieta, que raramente inclui a ingestão de peixes pequenos. “Isto indica que esses animais são onívoros generalistas, e não carnívoros obrigatórios”, afirma o zoólogo Helder Queiroz, pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e um dos autores do estudo. No entanto, as piranhas são presas de animais como biguás (pássaros mergulhadores), botos, jacarés e peixes maiores, como o pirarucu.

 
Os experimentos consistiram em medir o nível de estresse da piranha-vermelha ( Pygocentrus nattereri ) sozinha e em grupos de dois, quatro e oito indivíduos. Esse nível se reflete na taxa de batimentos da estrutura que reveste a abertura das brânquias da maioria dos peixes ósseos. Essa estrutura – chamada opérculo – vibra com maior velocidade quando aumenta a demanda metabólica, ou seja, quando o peixe necessita de mais oxigênio para realizar suas funções. É como se o animal estivesse ofegante: isso acontece, por exemplo, em situações de fuga de um predador ou quando há pouco oxigênio dissolvido na água.
 
Retiradas das florestas alagadas de Mamirauá em julho de 2004 (época de cheia), as piranhas-caju – como também é conhecida essa espécie – foram colocadas em um aquário cuja água apresentava o mesmo nível de oxigênio dissolvido que o do ambiente natural. O registro da taxa opercular foi realizado durante a simulação de um ataque de um biguá de plástico, que descia até a água e se movimentava, suspenso por roldanas. Também foram registradas as taxas nas situações “pacíficas”, antes da ameaça do pássaro predador. Nas duas ocasiões, as freqüências mais baixas foram observadas nos grupos de oito indivíduos. Além disso, depois do suposto ataque, os grupos maiores se “tranqüilizaram” com mais rapidez, isto é, readquiriram o número de batimentos iniciais em um intervalo mais breve.
 
Teorias desenvolvidas a partir dos anos 1960 explicam que os animais tendem a se agrupar por dois motivos básicos: aperfeiçoar a alimentação em grupo e ganhar segurança diante de predadores. O segundo motivo é o único que explica os cardumes de piranhas-vermelhas, como indicam os experimentos. Elas podem até buscar alimento em grupo, mas não o fazem de forma cooperativa. “A presença e atuação da vizinha não maximiza ou otimiza a aquisição de alimento realizada por uma piranha”, esclarece Queiroz. “O fato de estar em cardume não influi na capacidade de se alimentar.”
 

O estudo sobre piranhas foi feito em parceria com a Universidade de Saint Andrews, na Escócia, onde Helder Queiroz realizou seu doutorado sobre o comportamento de peixes. O trabalho, assinado também pela pesquisadora Anne Magurran, foi publicado on-line na revista Biology Letters , editada pela Royal Society britânica.

Lia Brum
Ciência Hoje On-line
09/05/05