Planeta mais leve

Um alento aos germofóbicos de plantão. Estudo liderado por pesquisadores alemães mostra que nosso planeta tem apenas metade da quantidade de micróbios que se pensava. O que pode deixá-los desapontados é que a parcela antes superestimada habitaria o fundo dos oceanos, mais precisamente os sedimentos acumulados no local.

A descoberta, publicada esta semana na Pnas, foi resultado de um vasto estudo que reuniu o resultado de diversas contagens de bactérias e arqueas (seres unicelulares que vivem em condições extremas) em amostras de sedimentos de diferentes partes do oceano analisadas por outros grupos e novos dados coletados nos últimos seis anos pela equipe alemã no Pacífico.

A estimativa até então mais aceita para a quantidade de microrganismos unicelulares tinha sido feita há 15 anos pelo microbiólogo William Whitman. Segundo o cálculo, haveria na Terra 5×1033 micróbios (um algarismo cinco seguido de 33 zeros!). A maior parte desse total, 35,5×1029, estaria no fundo dos oceanos, respondendo por cerca de 30% da quantidade de matéria viva (biomassa) do planeta.

O novo estudo estima que a quantidade de micróbios no fundo dos oceanos seja 92% inferior, ou seja, 2,9×1029

O novo estudo estima que a quantidade de micróbios no fundo dos oceanos seja 92% inferior, ou seja, 2,9×1029 – um número que ainda impressiona se considerarmos que a quantidade de estrelas no universo é cerca de 1×1021, ou seja, milhões de vezes menor. Com o novo dado, a estimativa da biomassa total da Terra cai um terço.

A diferença entre os resultados se deve a falhas de metodologia do primeiro estudo. Whitman assumiu que a distribuição de microrganismos no fundo dos oceanos seria uniforme e analisou apenas sedimentos de regiões ricas em nutrientes, consequentemente, com mais abundância de microrganismos. Já a equipe alemã fez um mapeamento mais completo que incluiu as regiões pobres em nutrientes e, portanto, com menos micróbios.

“Essas áreas pobres em nutrientes respondem por cerca de metade do oceano e podem ter mais de dez mil vezes menos células que sedimentos de regiões mais nutritivas, por isso uma diferença tão grande nos resultados”, explica o geomicrobiólogo líder da pesquisa, Jens Kallmeyer, da Universidade de Postdam, Alemanha. 

Coleta de sedimentos
Usando pistões, a equipe alemã perfurou 36 pontos do fundo do oceano Pacífico para coletar sedimentos. (foto: Jens Kallmeyer)

Trabalho exaustivo

Kallmeyer participou de diversas expedições de coleta de sedimentos no fundo do oceano, as mais demoradas de até dois meses de duração. Nessas viagens, ele e sua equipe perfuraram o fundo do oceano para coletar colunas de sedimentos de diferentes regiões e profundidades – de apenas alguns centímetros até quilômetros de espessura.

Todo o material obtido foi preservado em água do mar estéril e analisado em laboratório, onde o número de bactérias e arqueas em cada amostra foi contado.

“Pegamos uma pequena porção dessa lama e colocamos um reagente especial que faz brilhar apenas os DNAs com cadeias duplas [típicos das bactérias e arqueas]”, explica Kallmeyer. “Assim podemos contar uma a uma as células florescentes. É um trabalho extremamente demorado e exaustivo”.

A dedicação da equipe ajudou a comprovar que os microrganismos dos sedimentos do fundo dos oceanos não estão distribuídos uniformemente

A dedicação da equipe ajudou a comprovar que os microrganismos dos sedimentos do fundo dos oceanos não estão distribuídos uniformemente. Eles verificaram que as zonas mais próximas às margens dos continentes apresentam mais microrganismos do que as zonas mais afastadas e também mais profundas.

Segundo Kallmeyer, a diferença se explica pela distribuição de matéria orgânica no fundo do mar. “No centro dos oceanos há poucos nutrientes, menos matéria orgânica é produzida e menos material se deposita no fundo”, diz. “A pouca matéria orgânica que chega ao fundo permanece mais tempo na superfície, sem decantar, permitindo que os micróbios degradem mais o material e deixem menos alimento para que os demais se proliferem.”

Com o resultado da análise das coletas, os pesquisadores fizeram um mapa que mostra a distribuição e a abundância dos micróbios no fundo do oceano. Todo esse trabalho, além de despertar curiosidade, pode servir para os mais variados estudos biológicos.

Mapa dos microrganismos
O mapa mostra a distribuição de microrganismos no fundo dos oceanos. Os pontos representam os locais de coleta da equipe alemã; as áreas vermelhas concentram maior abundância de células e as azuis, menor quantidade. (foto: Jens Kallmeyer)

“Bactérias e arqueas tem papel fundamental em vários ciclos biogeoquímicos, como a oxidação de matéria orgânica e a produção de metano, que asseguram a vida na Terra”, explica Kallmeyer. “Para construir modelos desses ciclos, é importante saber quantos microrganismos existem e como eles estão distribuídos, e é nisso que nosso trabalho contribui mais.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line