Política da boa vizinhança

Caranguejos australianos da espécie Uca mjoebergi ajudam seus vizinhos menores a defenderem suas tocas contra o ataque de invasores mais fortes. Essa cooperação acontece porque, para eles, é mais fácil lutar contra os novatos no pedaço do que negociar fronteiras posteriormente com machos maiores.

Os caranguejos Uca mjoebergi ocorrem na Oceania. No Brasil,
espécies do mesmo gênero são conhecidas como ’chama-maré’
(fotos: Patricia Backwell)

Isso é o que revela o estudo de Patricia Backwell e Michael Jennions, da Escola de Botânica e Zoologia da Universidade Nacional Australiana, publicado em 22 de julho na revista Nature . Esta é a primeira vez que uma cooperação dessa natureza é observada.

“A extensão do território está relacionada com o tamanho do animal”, explica Backwell à CH On-line . “Se machos maiores que os antigos moradores conseguirem o território, eles vão querer aumentar o espaço e o vizinho terá que brigar para manter um domínio que já possui.”

Os caranguejos da espécie U. moebergi vivem em colônias mistas. Os machos ocupam territórios ao centro dos quais há uma toca utilizada como refúgio quando a maré está alta. Ocasionalmente, seus domínios são ameaçados por machos errantes em busca de território. Nesse caso, cada macho briga com os invasores para proteger o seu espaço.

Em todos os casos de cooperação observados pelos pesquisadores, o aliado era maior que o vizinho. Em 94% das ocorrências, a ajuda foi oferecida quando o residente era menor do que o invasor e tinha mais chances de perder. Na maioria das vezes, o aliado era maior que o intruso.

Os caranguejos usam sua pinça maior para defender o território de vizinhos
mais fracos, quando estes são ameaçados por invasores mais fortes

Segundo Backwell, a coalizão territorial entre os caranguejos é uma forma indireta de mutualismo. “Em uma interação mutualística simples, dois animais interagem para o benefício de ambos”, explica. “No caso dos U. mjoebergi , o mutualismo ocorre de forma indireta, pois o benefício que o caranguejo menor recebe é apenas um subproduto resultante da luta de seu vizinho em seu próprio proveito.”

Essa ajuda, no entanto, pode trazer também problemas para o aliado. Como as brigas acontecem sempre na entrada da toca do residente, o vizinho tem que sair de seu território para lutar, o que aumenta o risco da sua própria toca ser invadida. Além disso, a luta demanda muita energia e o caranguejo pode perder sua pinça maior, que é utilizada como arma e chamariz para atrair as fêmeas.

Nenhum outro estudo havia provado que animais ajudam estrategicamente seus vizinhos a defender seu território contra invasores. Segundo os pesquisadores, o fato de esse tipo de aliança não ter sido descrito em aves e mamíferos indica que coalizões territoriais dependem mais de circunstâncias apropriadas que de habilidades cognitivas.

Eliana Pegorim
Ciência Hoje On-line
03/08/04