Por uma ética para a biohistória

 

Por uma ética para a biohistória Qual era a fonte do gênio de Albert Einstein? Qual era a causa para alguns comportamentos histéricos de Beethoven? Teria Abraham Lincoln sido vítima da doença genética conhecida como síndrome de Marfan? Responder a essas perguntas é uma missão para a biohistória.

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Thomas Jefferson (1743-1826), terceiro presidente
norte-americano, retratado pelo pintor Thomas Sully

 

Esse campo de estudos procura investigar o comportamento, doenças, causas de morte e ascendência de personagens históricos, além de verificar a autenticidade de artefatos expostos em museus e cadáveres. Para isso, são analisados objetos de natureza variada, como o cérebro de Einstein ou o suposto lençol sujo de sangue usado na cama onde ficou o corpo de Lincoln após seu assassinato.

Situada na encruzilhada entre genética, química, história e antropologia, a biohistória é uma disciplina recente: data de 2001 o primeiro painel sobre o tema realizado na convenção anual da Associação Histórica Americana. Mas as ferramentas da biologia molecular já haviam sido aplicadas antes disso ao estudo de personagens históricos. Um artigo de 1998 na revista Nature , por exemplo, procurava determinar se Thomas Jefferson havia de fato engravidado a escrava Sally Hemings.

 

No entanto, a pesquisa em biohistória implica dilemas éticos, legais e sociais. Essas questões foram tema de artigo da revista Science de 9 de abril, no qual um grupo de pesquisadores americanos procura traçar as primeiras diretrizes éticas para a prática da biohistória. O ponto de partida foi o estudo de códigos éticos já definidos por 26 organizações científicas.

 

Esse ‘manual’ deve abordar um dos principais conflitos éticos das pesquisas em biohistória: o impacto causado na vida dos parentes vivos das figuras históricas estudadas. “Um exame de DNA pode fazer com que esses descendentes percam direitos, não consigam emprego ou tenham problemas com planos de saúde”, alertam os pesquisadores.

O artigo destaca ainda que os parentes desses personagens podem ter que lidar com grande estresse emocional. “O cérebro de Einstein, por exemplo, foi retirado sem o consentimento da família, que tinha certeza de que todo seu corpo tinha sido cremado”, disse à CH On-line Lori Andrews, co-autora do estudo. “Em alguns casos, os indivíduos afetados devem ter total poder de veto sobre a pesquisa.”

A equipe também ressalta a importância de critérios que garantam a autenticidade dos artefatos. “Os cientistas devem checar minuciosamente a procedência dos objetos em análise e levar em conta que amostras podem ser contaminadas com material biológico de outras pessoas”, aponta Andrews. A divulgação das informações e seu impacto são outra preocupação: uma cobertura sensacionalista da mídia poderia prejudicar crenças e valores que grupos culturais possam ter baseados nos artefatos e figuras históricas estudadas.

Os princípios éticos definidos se aplicarão tanto a famosos quanto a indivíduos cujo DNA possa ser usado para responder questões históricas. “Nossa intenção é estabelecer um sistema de auto-regulação no qual cientistas de todas as especialidades direcionem uniformemente as preocupações adequadas ao redor da bioanálise”, conclui Andrews.

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
27/04/04