Porta aberta para a Aids

 

Representação esquemática do vírus HIV, que causa a Aids (arte: DOE).

Alterações em dois genes que produzem proteínas de defesa do organismo humano explicam por que filhos de mães infectadas com o vírus HIV podem ou não ser infectados durante o período de gestação. A descoberta foi feita por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

A equipe do farmacêutico Paulo Souza estudou dois genes que comandam a síntese de proteínas importantes no sistema imunológico dos seres humanos: MBL (lecitina ligante de manose) e CCR5. A primeira, além de combater micróbios que invadem o corpo humano, ativa outros mecanismos de defesa do organismo. Já a CCR5 é uma proteína encontrada na superfície de células de defesa como macrófagos e linfócitos. Além disso, ela é o principal co-receptor do HIV, ou seja, é a estrutura à qual o vírus se liga para invadir a célula.

Os pesquisadores do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika) da UFPE analisaram esses dois genes em células sangüíneas de 314 recém-nascidos de mães portadoras do vírus da Aids, sadios e infectados. “Constatamos que as alterações genéticas eram mais freqüentes em crianças infectadas”, diz Souza, que teve a orientação dos professores Luiz Cláudio Arraes e José Luiz (ambos da UFPE). “Essas mutações, que já nascem com o indivíduo, causam resistência ou suscetibilidade à infecção, dependendo da função dos genes alterados.”

A explicação é simples: como a MBL ataca os microrganismos, quanto menor for sua produção, maior a chance de o vírus infectar as células. Entretanto, no caso da proteína CCR5, a queda de sua produção é benéfica, pois a falta de co-receptor impede que o vírus se ligue a macrófagos, por exemplo.

O farmacêutico verificou que, entre os 164 recém-nascidos infectados, 12% apresentavam alterações no gene da proteína MBL, enquanto apenas 5% dos 150 não infectados tinham tais mutações. Já na análise do gene da CCR5, 54% das crianças portadoras do vírus apresentavam alterações; 40% dos não infectados tinham a mutação.

Segundo o pesquisador, que contou com a colaboração do professor Sergio Crovella, da Universidade de Trieste, na Itália, esse trabalho pode contribuir para o desenvolvimento de medicamentos a fim de corrigir essas alterações. “Uma droga capaz de se ligar ao CCR5, por exemplo, evitaria a entrada do vírus na célula”, diz o farmacêutico. “Já um fármaco feito a partir da MBL sintetizada poderia suprir a falta dessa proteína e evitar a infecção.”

Tais medicamentos seriam indicados a indivíduos que tivessem a mutação estudada comprovada por testes genéticos. Souza ressalta que eles poderiam ser usados sobretudo como forma de prevenção, e não no tratamento da Aids propriamente dito. “Eles seriam indicados a indivíduos envolvidos com situações de alto risco, como profissionais do sexo”, conta.

Mário Cesar Filho
Especial para CH On-line
27/04/2006