Portas abertas para uma nova classe de antibióticos

 

Um passo importante acaba de ser dado para a criação de um novo tipo de antibióticos. Uma equipe canadense descreveu pela primeira vez a estrutura tridimensional de uma enzima fundamental para a construção da parede celular das bactérias. Entender a configuração dessa molécula era um objetivo perseguido há muito tempo pelos microbiologistas, a ponto de já ter sido comparado ao “santo graal da pesquisa de antibióticos”.

A enzima descrita pela equipe canadense foi isolada a partir de bactérias Staphylococcus aureus resistentes à meticilina, como as da imagem acima (foto: Janice Carr/CDC).

O feito pode levar à solução para uma das maiores dores de cabeça dos especialistas em saúde pública. A resistência aos antibióticos desenvolvida pelas bactérias é um problema crescente desde que os antibióticos passaram a ser usados de forma intensiva na medicina, a partir da descoberta da penicilina em 1928. Como a maioria dos antibióticos funciona segundo o mesmo princípio, era urgente descobrir uma rota alternativa para combater as infecções bacterianas.

A síntese da parede celular das bactérias depende da ação de duas enzimas – a transpeptidase e a glicosiltransferase – que, em muitos microrganismos, estão reunidas em uma grande molécula bifuncional. Inibir a ação dessas enzimas é um alvo ideal para antibióticos, pois elas são facilmente acessíveis e não têm equivalentes nas células de mamíferos.

Os antibióticos da classe da penicilina agem bloqueando a transpeptidase, mas faltava desenvolver drogas efetivas em humanos capazes de impedir a ação da glicosiltransferase. Essa enzima representava um desafio aos pesquisadores, por ser difícil de purificar e analisar. Muitos grupos de pesquisadores já haviam tentado, sem sucesso, desvendar sua estrutura.

Desafio superado
Esses obstáculos foram finalmente vencidos pelo grupo de Andrew Lovering, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá. Na edição desta semana da Science , a equipe descreve pela primeira vez a estrutura cristalina da glicosiltransferase, isolada a partir de cepas de Staphylococcus aureus resistentes a antibióticos – essas bactérias são responsáveis por alguns dos casos mais graves de infecção hospitalar.

No mesmo artigo, a equipe descreve ainda a configuração da enzima no instante em que ela se liga à moenomicina – um dos poucos antibióticos capazes de inibir a ação da glicosiltransferase. A moenomicina é usada com sucesso para combater infecções bacterianas em animais, mas não é eficaz em humanos, pois não é absorvida por nosso organismo.

O resultado oferece um ponto de partida para a criação de compostos capazes de inibir a ação da glicosiltransferase em humanos. “Precisamos modificar a moenomicina para uso humano ou observar seu sítio ativo para desenvolver um novo antibiótico”, conta Lovering em entrevista à CH On-line . “A estrutura que descrevemos vai ajudar bastante nesse processo, mas é difícil estimar quanto tempo isso pode levar.”

Uma das vantagens de antibióticos que inibam a ação da glicosiltransferase é que eles seriam provavelmente menos vulneráveis ao desenvolvimento de resistência por parte das bactérias. “A moenomicina tem sido usada por décadas para tratar animais em grandes quantidades e nunca foi verificado o desenvolvimento de resistência a esse composto”, conta Lovering. 

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
08/03/2007