Precisão microscópica

Não é uma tarefa das mais triviais. Identificar organismos em imagens de microscópio pode exigir horas de concentração e análise, pois essas imagens nem sempre são claras ou óbvias. Elas podem estar fora de foco; os microrganismos podem estar deformados; e os corantes, usados frequentemente para auxiliar na preparação das lâminas, podem por vezes atrapalhar a visualização dos seres.

Eis que o cientista da computação Danillo Pereira teve uma boa sacada. Em seu projeto de doutorado, apresentado no Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele resolveu desenvolver um programa que identifica microrganismos de maneira automatizada. É o MSFit.

Pereira: “Essa detecção pode ser feita em menos de dois minutos”

O princípio é relativamente simples. Primeiro, o programador cria, por meio de modelagem computacional, ‘cópias’ digitais em três dimensões dos microrganismos a serem identificados. Esses modelos simulam o formato do ser vivo em diversos ângulos e posições. Assim, diante das imagens fornecidas pelo microscópio, o programa saberá reconhecer se há algum organismo semelhante de alguma maneira àquele que o software está digitalmente designado a identificar.

“Essa detecção pode ser feita em menos de dois minutos”, afirma Pereira, lembrando que a mesma tarefa pode, em alguns casos, levar horas, quando feita sem o auxílio do programa. Ele acrescenta que o MSFit pode ser usado com imagens tanto de microscopia eletrônica quanto de microscopia ótica.

Paramecium sp
‘Paramecium sp’ em lâmina com partículas de sujeira. Em alguns casos, esse tipo de problema pode dificultar o reconhecimento do microrganismo pelo pesquisador. (imagem: Wikimedia Commons/ Deuterostome – CC BY-SA 3.0)

A engenhosa invenção tem ainda outra funcionalidade – que há de ser útil em diversos estudos no campo das ciências biológicas. “Alguns procedimentos da medicina e da biologia requerem contagem de células e cálculo da dimensão dos microrganismos presentes em uma imagem de microscopia”, explica o pesquisador. O MSFit dá conta dessa tarefa. Ele é capaz de estimar a quantidade de certo tipo de organismo presente em determinada amostra.

Já existem alguns softwares similares no mercado. “Mas eles têm limitações”, diz Pereira, “pois são em geral programados para reconhecer um tipo único de microrganismo”. O MSFit dá um passo adiante. Foi desenhado de modo a reconhecer diversas espécies a um só tempo – desde que sejam, é claro, previamente modeladas digitalmente. “Nenhum método que encontramos na literatura faz o que nosso método faz”, atesta o cientista da computação.

Tecnologia à prova

Na fase de testes, foram usados quatro microrganismos diferentes: o Cyclops sp (crustáceo microscópico), o Caenorhabditis elegans (verme que mede cerca de 1 mm), o Paramecium sp (protozoário ciliado que tem o formato de uma sola de sapato) e o Volvox sp (tipo de microalga que pode ter número variável de organelas). São espécies que apresentam certa complexidade estrutural. “Foi por isso que as escolhemos para testar a eficiência do programa”, conta Pereira.

Caenorhabditis elegans e Cyclops sp
O MSFit foi testado em microrganismos com certa complexidade estrutural, como ‘Caenorhabditis elegans’ (esq.), que pode ter alto grau de deformação, e ‘Cyclops sp’ (dir.), cujos indivíduos podem ou não apresentar saco lateral. (imagens: Bob Goldstein, UNC Chapel Hill/ Wikimedia Commons – CC BY-SA 3.0; e NOAA/ Flickr – CC BY-NC 2.0)

Os resultados foram promissores. Na identificação dos seres, o software obteve uma taxa de 75% de acerto – o que é, segundo o pesquisador, excelente. “Trata-se de uma automatização com alto grau de confiabilidade”, afirma.

O programa obteve taxa de 75% de acerto na identificação dos seres

O MSFit é um programa em código aberto e vem sendo desenvolvido há quatro anos. Apesar de imediatamente aplicável às ciências biológicas, a tecnologia desenvolvida por Pereira pode ser empregada nos mais variados contextos – como na captura de movimentos, útil no desenvolvimento de jogos eletrônicos, e em sistemas de reconhecimento facial.

O programa ainda não foi oficialmente lançado, mas, segundo seu criador, já tem todas as condições de ser transformado em produto comercial. “Basta transferirmos a tecnologia para alguma indústria interessada em produzi-la em escala.”

Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line