Preguiça terrícola sofreu de infecção nos ossos

 

Fósseis de preguiças terrícolas são comuns em território brasileiro. Incomum é o que foi encontrado em uma praia de Santa Vitória do Palmar, perto da divisa com o Uruguai. A tíbia direita, que pertencia a um desses mamíferos gigantes que habitaram o território brasileiro há dezenas de milhares de anos, mostrava sinais de infecção nos ossos (osteomielite) e nas articulações (artrite séptica), o que faz com que sua preservação seja quase um milagre.

Fragmento da tíbia encontrada com sinais de osteomielite: a grande
cavidade à esquerda e os pequenos orifícios à direita indicam a acumulação de pus em decorrência da infecção dos ossos

Os principais sinais da osteomielite na preguiça são os abscessos e orifícios de drenagem de pus para fora do osso (cloacas), o que indica que o animal teria também feridas purulentas na pele. Há ainda outros orifícios (fístulas) que drenavam o pus também para a articulação entre a tíbia e o astrágalo (osso do pé). O desgaste dos ossos e a presença desses orifícios indicam que o animal sofria também de artrite séptica.

“É raríssimo encontrar sinais de osteomielite em material paleontológico, pois ela normalmente torna os ossos muito frágeis”, afirma o especialista em paleopatologia Jorge Ferigolo, da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, membro da equipe que estudou o fóssil.

 

 

O fato de o fóssil estar no mar seria um outro entrave à sua conservação. Mas para isso há uma explicação: as preguiças terrícolas viveram no final do Pleistoceno, quando o mar era muito recuado e esses animais habitavam imensas planícies, hoje submersas. Assim, a tíbia fossilizada dentro de rochas foi possivelmente arrancada do local onde estava durante uma ressaca e levada até a praia onde foi encontrada.

O fóssil acima fazia a articulação entre a tíbia e o osso do pé da preguiça. Os orifícios no fóssil (fístulas) drenavam pus para essa articulação e acusam a presença de artrite séptica

 

Não se pode afirmar ao certo como o animal contraiu a infecção. Uma fratura ou ferida exposta são possíveis causas, já que teriam aberto as portas para que bactérias causassem a infecção nos ossos e na medula óssea da preguiça, o que resultou na osteomielite.

Já a artrite séptica seria uma inflamação mais grave e posterior, o que sinaliza que o animal conviveu durante algum tempo com os percalços da doença. Em casos extremos, a infecção pode gerar uma septicemia: as bactérias chegam à corrente sanguínea e são levadas ao coração, cérebro e pulmões. É uma sentença de morte.

A causa exata da morte da preguiça gigante não pode ser precisada. Como a osteomielite e a artrite causaram problemas de locomoção ao animal, é possível que ele tenha sido predado ou mesmo morrido de fome, por ter encontrado dificuldade para buscar o alimento. O mais provável, porém, é que ele tenha suportado a inflamação até as últimas conseqüências. “Se tivéssemos o restante do esqueleto e este apresentasse sinais de osteomielite, poderíamos afirmar que o animal morreu de septicemia”, explica Ferigolo. “Como não é o caso, nada podemos garantir.”

Caso tenha sido esse o derradeiro sofrimento da preguiça, pode-se imaginar a sua dor. Esse animal da família dos milodontídeos viveu na América entre 3 milhões e 11 mil anos atrás e pesava entre 1 e 2 toneladas. Uma inflamação numa articulação do pé de um ser com tais proporções não deve ser a coisa mais agradável do mundo.

Aline Gatto Boueri
Ciência Hoje On-line
01/09/04