Primeiro registro de arte figurativa humana

A Vênus de Hohle Fels tem características recorrentes em figuras femininas pré-históricas: curvas acentuadas, órgão sexual avantajado e pernas e braços achatados (foto: H. Jensen/ Universidade de Tübingen, Alemanha).

Uma descoberta arqueológica feita na Alemanha traz novos dados sobre a história das manifestações artísticas. Uma escultura em marfim de um corpo feminino com dimensões exageradas é a mais antiga expressão de arte figurativa humana já encontrada. Com cerca de 35 mil anos, a peça antecipa em pelo menos cinco mil anos os registros de representações do corpo humano.

Chamada de Vênus de Hohle Fels, a escultura – dotada de seios fartos, quadris largos e um órgão sexual bastante avantajado – foi encontrada em 2008 pelo arqueólogo Nicholas Conard, da Universidade de Tübingen (Alemanha). Os seis fragmentos que compõem a peça de 33 gramas e 5,9 centímetros de comprimento foram escavados em uma área de apenas um metro quadrado na caverna de Hohle Fels, que fica no sudoeste da Alemanha, em uma região chamada Suábia.

“A posição estratigráfica da Vênus de Hohle Fels indica que ela é a mais velha de todas as figuras descobertas nas cavernas da Suábia e talvez o exemplo mais antigo de arte figurativa de todo o mundo”, diz Conard no artigo que descreve a descoberta, publicado na Nature desta semana.

Uma das mais antigas representações de figuras humanas descobertas até hoje é a Vênus de Willendorf, encontrada na Áustria e datada de cerca de 28 mil anos atrás (foto: Bridgeman Art Library).

As mais remotas evidências da arte figurativa, considerada um importante avanço da comunicação entre os homens, datam de 30 mil a 40 mil anos atrás. Acreditava-se que esse tipo de expressão artística tivesse surgido com ilustrações de animais e representações xamanísticas. As representações de figuras humanas já encontradas até hoje foram feitas depois, a partir de 30 mil anos atrás.

Segundo Conard, a Vênus de Hohle Fels muda radicalmente a visão atual sobre as origens da arte do início do período Paleolítico Superior (entre 40 mil e 10 mil anos a.C). “Ela reforça argumentos de que tenha sido uma manifestação de inovação cultural”, afirma.

Características sexuais recorrentes
O pesquisador explica que as pernas e os braços achatados da escultura, assim como suas características sexuais exageradas, são recorrentes em figuras femininas pré-históricas posteriores. Acredita-se que tais atributos simbolizem fertilidade, especialmente em uma época em que o homem vivia da caça e tinha pouca oferta de alimentos.

A riqueza de detalhes da Vênus de Hohle Fels surpreendeu o arqueólogo. A precisão dos talhes que definem as mãos e as linhas horizontais no tronco da imagem – que sugerem uma vestimenta – indica que o artesão dedicou algum tempo à escultura. Uma característica interessante na peça é a ausência da cabeça, que foi substituída por um pequeno anel, o que sugere seu uso como um adorno, por exemplo, um pingente.

A Vênus de Hohle Fels se junta a outras 24 pequenas esculturas em marfim já encontradas na região da Suábia, que fica muito próximo ao Vale do Danúbio, por onde as primeiras populações de Homo sapiens teriam penetrado na Europa Central e Ocidental. As descobertas fornecem evidência da explosão de criações simbólicas e artísticas que coincidiu com esse povoamento.

“Como um reflexo da criatividade artística das primeiras populações do Homo sapiens na Europa, essa coleção é única”, declara o arqueólogo Paul Mellars, da Universidade de Cambridge (EUA), em comentário na mesma edição da Nature. “As estatuetas do sul da Alemanha devem ser vistas como o ponto do nascimento da verdadeira escultura na tradição artística europeia – talvez global”, complementa. 

Barbara Marcolini
Ciência Hoje On-line
13/05/2009