A matemática vivida em uma vila

Em 1995, o matemático turco Ali Nesin, então professor na Universidade da Califórnia, em Irvine, nos Estados Unidos, recebeu a notícia do falecimento de seu pai, Aziz Nesin, um escritor, humorista, ativista e humanista muito famoso em seu país natal, a Turquia. O desejo do pai de Ali era que o filho assumisse o comando da Fundação Nesin, criada por ele em 1973 com recursos obtidos com o sucesso de seus livros e que dava abrigo, comida e educação a crianças e adolescentes pobres.

Ali trocou o almejado posto na universidade pela missão de dar uma contribuição relevante para melhorar a difícil situação social na Turquia. Logo descobriu que seu pai havia deixado em testamento também a vontade de que fosse construído um instituto de matemática sob a supervisão da Fundação Nesin. Talvez essa tenha sido a forma encontrada por Aziz para não deixar seu filho matemático muito triste com a abrupta guinada em sua carreira acadêmica.

Como os recursos da Fundação Nesin eram escassos, Ali teve que se desdobrar por muitos anos, dividindo seu tempo entre o trabalho social e a atuação como professor e chefe do departamento de matemática da Universidade de Bilgi, em Istambul. Na universidade, Ali tinha um ambicioso programa para a graduação e pós-graduação, mas, aos poucos, se deu conta de que a realidade da maioria dos estudantes de matemática em seu país não permitia que ele fosse implantado com sucesso. Faltava aos alunos, nas palavras de Ali, “entender o que significa entender”.

Em sua batalha para elevar o nível científico dos estudantes, Ali começou a fazer reuniões em sua casa nos finais de semana e a organizar escolas de verão. Ele percebeu que seria interessante poder trabalhar também com alunos do ensino médio ou mesmo do ensino fundamental – pois quanto antes eles entendessem o que significa entender, melhor. E tudo ficaria mais simples e eficiente se houvesse um local sempre pronto para acolher jovens interessados em matemática.

Assim nasceu o sonho de criar a Vila Matemática: um espaço bonito e estimulante para acolher bem e respeitar os estudantes, onde se poderia ter uma experiência com a matemática muito diferente da que se tem normalmente em uma escola convencional.

Nesta entrevista, Ali fala sobre a experiência da Vila Matemática e discute formas de melhorar o processo de aprendizagem desse conteúdo.

Crédito: Fotos arquivo pessoal.

Ciência Hoje: Você poderia nos dizer o que mudou na Vila Matemática, ou nas Vilas Nesin em geral, após o prêmio Leelavati, o mais importante da matemática, recebido por você em 2018? O prêmio de alguma forma facilitou a obtenção de financiamentos para a fundação Nesin ou a regularização, perante o governo, das atividades educacionais que acontecem nas Vilas?

Ali Nesin: Na prática, não mudou nada! Pelo menos por causa do prêmio Leelavati. A bem da verdade, o prêmio quase não foi mencionado pela imprensa turca. Eu não recebi sequer um cumprimento oficial por parte do governo. Pelo contato que tenho com autoridades governamentais, eles parecem até nem saber que eu fui agraciado com tal prêmio.

Por outro lado, boa parte da comunidade estudantil e acadêmica está ciente do prêmio. Então, posso afirmar que o nosso prestígio como instituição certamente aumentou após a premiação.


Em 2008, eu fui condenado pelas cortes [turcas] por “fundar ilegalmente uma instituição educacional”

Apesar disso, nossas atividades ainda são consideradas ilegais. Talvez você não saiba, mas, em 2008, eu fui condenado pelas cortes [turcas] por “fundar ilegalmente uma instituição educacional”. O cumprimento da sentença foi postergado com a condição de que eu não repetisse esse crime no futuro. Mas, desde então, eu fundei a vila de Filosofia e a das Artes, e nada aconteceu! Então, para ser franco, tenho que reconhecer que há uma certa tolerância por parte das autoridades oficiais. É tão óbvio que estamos preenchendo uma lacuna em nossa sociedade que eles não têm outra escolha.

Pedro Roitman
Departamento de Matemática, Universidade de Brasília