Toda história é contada a partir de um ponto de vista, e isso não é diferente para a história da ciência. Além do problema comum de se aterem a alguns poucos personagens centrais, as narrativas tendem a ter um eixo geográfico específico. No caso da história da ciência, em particular, o foco inicial era, claramente, a ciência europeia. Aos poucos, a abrangência foi sendo ampliada, mas, mesmo assim, alguns centros importantíssimos, como o mundo árabe, pareciam estar “fora do radar”. Nada pode ser mais distante da realidade…
No ano 965 nasceu em Baçorá, atual Iraque, al-Hasan ibn al-Haytham, cujo nome foi posteriormente latinizado para Alhazen. O protagonista desta história passou a maior parte dos seus anos produtivos no Egito, na cidade do Cairo, em um mundo profundamente religioso e monoteísta, no qual o conhecimento era altamente valorizado. Em particular, a luz era considerada o elemento que une o deus verdadeiro aos humanos. Entender a natureza da luz era se aproximar do divino. Assim, havia um grande fomento aos estudos científicos, especialmente à matemática e à astronomia, que era ampliado pela análise e crítica de textos gregos de Euclides, Ptolomeu, além de toda a obra de Aristóteles. Foi nesse ambiente, rico em tradições culturais, religiosas e científicas, que Alhazen se formou.
Os detalhes sobre a vida de Alhazen não são conhecidos com exatidão. Embora tenha escrito uma autobiografia, ela é de natureza predominantemente científica. Alhazen se dedicou inicialmente ao estudo da religião, mas o instinto empírico e a tendência ao pensamento racional, aliados ao rigor matemático, o levaram para o estudo científico. Dedicou-se à ciência não como uma forma de se distanciar de suas crenças religiosas, mas para se aproximar do que seria a verdade suprema. Em um ensaio, escreveu que “todos os assuntos, seculares e religiosos, são produto das ciências filosóficas”, onde por “filosofia” entende-se a matemática, ciências naturais, teologia.
Marco Moriconi
Instituto de Física
Universidade Federal Fluminense