BRASIL EM CRISE HÍDRICA E CIENTÍFICA

“O Brasil está indo na contramão do desenvolvimento do planeta, e é importante que nossa sociedade tenha consciência disso”, alertava o físico Paulo Artaxo, no final de junho, dias antes de ser eleito vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (o presidente é o filósofo Renato Janine Ribeiro), referindo-se à falta de investimento em pesquisas no país. Mas, afinal, o que isso tem a ver com o tema central desta entrevista, a crise hídrica? Para Artaxo, professor titular do Departamento de Física Aplicada da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), não é possível dissociar os dois assuntos. Entre os fatores que melhor explicam a crise hídrica estão, além das mudanças climáticas e da variabilidade meteorológica, o desmatamento da Amazônia e a falta de planejamento energético – os dois últimos estritamente ligados aos investimentos em conhecimento. “O Brasil está sufocando as suas universidades, os seus institutos de pesquisas, a sua inteligência, os seus laboratórios. A pergunta que nós temos que fazer é: que futuro de Brasil queremos? É um país que prioritariamente vende minério de ferro, carne e soja? Que tal explorar o potencial criativo e a inovação tecnológica na era do conhecimento?”

CIÊNCIA HOJE: Quais as causas da atual crise hídrica??

Paulo Artaxo: Creditar uma “crise hídrica” somente à falta de chuva é fazer uma análise muito superficial. A crise tem várias componentes. A primeira delas é a meteorológica, com um ano em que a La Niña é um evento moderado. E temos outras três questões: com o aquecimento global, cujo principal causador é a queima dos combustíveis fósseis pelos países desenvolvidos, todos os modelos climáticos preveem que vai diminuir a quantidade de chuva na Amazônia e no Brasil central. Na verdade, já estamos observando essas alterações no padrão de chuvas. Outro ponto é o desmatamento da Amazônia. É bem conhecido da ciência que a Amazônia é um gigantesco processador de vapor de água gerada no oceano Atlântico tropical, carreando esta água para o Brasil Central e para o Sudeste brasileiro. Se os mecanismos que regulam o processamento deste vapor de água são alterados, há impactos na chuva. Por último, há a questão do planejamento energético. O Brasil tem uma vulnerabilidade muito grande em relação à geração de hidroeletricidade, e o agronegócio brasileiro é muito dependente do clima. Uma das funções de um governo é identificar e diminuir essas vulnerabilidades. Ao longo dos últimos 10, 15 anos, o Brasil deveria ter investido pesadamente em energia solar e eólica, cujo potencial é enorme, principalmente, no Nordeste, e com isso utilizar a água das hidrelétricas como sistema de regulação, para quando não tem sol ou vento. Em resumo, a chamada crise hídrica se deve a múltiplas questões: meteorológicas, à falta de planejamento energético, ao desmatamento da Amazônia e ao aquecimento global.


Ao longo dos últimos 10, 15 anos, o Brasil deveria ter investido pesadamente em energia solar e eólica, cujo potencial é enorme, principalmente, no Nordeste

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Valquíria Daher

Jornalista, ICH