Direitos humanos à mesa

A produção de alimentos vem sendo transformada pelas novas tecnologias genéticas aplicadas às sementes. A organização desse mercado também se modificou, seguindo a tendência de cadeias globais e de concentração, deixando o controle do mercado nas mãos de poucas e grandes empresas. Esses fatores conjugados estão por trás dos alimentos que comemos e têm impacto direto nos direitos humanos.

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Atualmente, intensificou-se o debate sobre saúde pública e a qualidade dos alimentos que colocamos na mesa. Quando compramos uma alface na feira, achamos que estamos comprando direto de um pequeno produtor que traz as hortaliças da sua plantação próximo à cidade onde vivemos. Mas será que essa alface que comemos é, de fato, saudável como imaginamos?
O que muitas pessoas talvez não saibam é que aquele conhecido feirante provavelmente utiliza defensivos agrícolas – pesticidas – para garantir bons resultados em sua colheita e que esses ‘defensivos’ são prejudiciais à saúde, além de fazerem parte de uma grande estratégia econômica.
O uso indiscriminado de pesticidas no Brasil já vem de longa data. O Brasil é um dos líderes mundiais no consumo de agrotóxicos, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) – o uso inclui produtos proibidos na União Europeia e em outras partes do mundo. Pesticidas e agrotóxicos são substâncias químicas utilizadas na indústria de alimentos tanto em monoculturas – como as de arroz, soja e milho – quanto no cultivo diverso de verduras, hortaliças e frutas. Isso significa que a comida que chega aos pratos dos brasileiros, ou, pelo menos, a grande parte deles, já vem contaminada com substâncias químicas nocivas à saúde, as quais previamente contaminaram o ambiente – águas, ar, vegetação.

Mercado alimentar

Este artigo relata uma análise das dinâmicas e práticas do mercado ‘agro-bioquímico-tecnológico alimentar’ – como definido pela autora – sob a ótica dos direitos humanos. Para isso, partiu-se de conceitos e métodos da sociologia econômica, destacando em particular a noção de campo econômico do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002).
Segundo Bourdieu, o campo econômico é produto de uma construção social, um espaço criado pelos agentes econômicos (empresas e demais atores do setor), que, nas suas relações de poder, deformam o espaço ao seu redor e moldam sua estrutura, de acordo com o capital (econômico, tecnológico, financeiro) que possuem.
O processo de produção de alimentos é longo e complexo. Longo, porque inclui desde o cultivo da semente, o transporte, o armazenamento, os processos industriais e biotecnológicos até a comercialização, a distribuição e o consumo. É complexo porque essa cadeia de produção é fragmentada globalmente, o que significa que os diversos nós que integram cada etapa desse processo estão espalhados pelo mundo, principalmente, nos países do hemisfério Sul.
Essas cadeias globais constituem um sistema de produção coordenado mundialmente e criam padrões particulares de mercados. A forma de organização espacial do mercado acarreta dificuldades para rastrear os nós da cadeia de produção e, como consequência, para identificar e responsabilizar por violações aos direitos humanos.

Essa forma de organização espacial do mercado acarreta dificuldades para rastrear os nós da cadeia e, como consequência, para identificar os responsáveis por possíveis violações
aos direitos humanos