Rio de Janeiro, 1732. O frei Alexandre Saldanha Sardinha chega à cidade encarregado pelo Santo Ofício da Inquisição da missão de fiscalizar os fiéis que aqui habitavam e investigar possíveis crimes contra a fé católica, principalmente feitiçaria e prática de judaísmo. De olho nas riquezas das Minas Gerais, inclui em sua visita uma perigosa viagem a Vila Rica (hoje Ouro Preto).
À época, a sanha da Coroa portuguesa em fiscalizar o contrabando de ouro e pedras preciosas era tão grande quanto a de monitorar corações e mentes dos colonos que viviam em terras brasileiras. A cena com a qual Saldanha Sardinha se depara no Brasil desafia qualquer tentativa de controle, não por alguma característica intrínseca à sociedade colonial, mas pelo fato de a Inquisição ter se lançado à tarefa de querer o impossível: controlar “instintos secretos e desejos inconfessáveis” de toda a gente.
Este é o pano de fundo de Nada digo de ti, que em ti não veja, novo romance de Eliana Alves Cruz. O título não deixa de ser curioso em um romance onde ninguém é quem, à primeira vista, parece ser. Nem mesmo o frei Sardinha. E não ser visto como quem se é realmente era justamente o que todos almejavam, na esperança de se colocarem a salvo de maledicências e denúncias, que, à época, poderiam custar a liberdade, o prestígio e até a vida dos denunciados.
Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro