CIÊNCIA HOJE: Como você avalia os atuais protestos antirracistas? No que diferem de outros, do passado? Representam um ponto de ruptura?
Karine Damasceno: Nos Estados Unidos, como aqui, o racismo é estrutural. Então, em curtos intervalos de tempo, temos notícias da violência policial, principalmente contra homens jovens negros. Todas essas violências provocam respostas da comunidade negra estadunidense, mas o que está acontecendo agora tem uma proporção muito maior. Acredito que uma das razões foi a cena ter sido filmada e assistida e compartilhada em todos os lugares do mundo. Como brasileira e negra, me sentindo parte dessa dor, quando vi a imagem de George Floyd dizendo “não consigo respirar”, eu também parei de respirar. Pessoas negras e não negras, no mundo todo, sentiram o mesmo. Outro grande diferencial é que, como o racismo é estrutural, a população negra é a que mais sofre com a covid-19. Mortalidade, desemprego, habitação precária… Várias questões vêm à tona e, somadas à violência policial, influenciaram nessa reação gigantesca. Mas não acho que os protestos levem a uma grande ruptura porque centram fogo na denúncia da violência policial, e não na necessidade de mudanças mais profundas na sociedade estadunidense. Por exemplo, o debate sobre reparação por conta da escravidão não aparece. Falar da violência policial é falar de um braço, e há várias outras instâncias, como educação, saúde, trabalho e poder. Isso, sim, mexeria com as estruturas do país. A resposta ao caso George Floyd foi à altura e foi inspiradora para negras e negros no mundo inteiro, mas a luta contra o racismo está em curso e há muito ainda o que se fazer.
Valquíria Daher
Jornalista
Instituto Ciência Hoje