O DNA da biodiversidade perdida nas queimadas do Pantanal

“E se algo raro foi queimado e nunca vamos conseguir estudá-lo? E se perdemos uma espécie que ainda nem conhecíamos?” As questões são levantadas pelo biólogo Alberto Dávila, diante dos incêndios que consumiram cerca de 30% do Pantanal brasileiro em 2020, uma destruição nunca antes registrada. Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) especializado em bioinformática e metagenômica, ele está, justamente, usando a tecnologia do sequenciamento do DNA para descobrir como o fogo no Pantanal afetou a biodiversidade local. A ideia é coletar amostras de DNA da água e do solo das áreas queimadas e das não afetadas para fazer uma comparação e chegar a conclusões. O projeto, chamado Ciência Cidadã Pantanal, vai além: pretende também incluir professores e estudantes da rede pública na análise ambiental. As primeiras amostras já foram coletadas, mas, para o trabalho continuar, são necessárias doações de sequenciadores miniaturizados que podem ser feitas pelo site do projeto. Determinação para consegui-las não falta a Dávila, que conviveu com o Pantanal logo que chegou ao Brasil, vindo do Peru, para estudar na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, no campus de Corumbá, hoje chamado de campus do Pantanal. “Tenho um carinho muito grande pela região. Quando vi que as queimadas estavam acontecendo, fiquei desesperado. De imediato, comecei a juntar pessoas e a pensar nesse projeto”, conta.

CRÉDITO: FOTO Crédito: João Baptista Estabile Neto

Ciência Hoje: Como começou o projeto Ciência Cidadã Pantanal e do que se trata?

Alberto Dávila: O Ciência Cidadã Pantanal é parte da iniciativa #GenomicLab [organização sem fins lucrativos voltada à divulgação científica entre populações em vulnerabilidade], que nasceu a partir do projeto de divulgação científica #GenomicDay, um dia no ano em que cientistas e professores iam às escolas públicas para falar sobre genômica, aqui no Brasil. Isso cresceu, chegou a outros países da América do Sul e, este ano, também vai acontecer na Espanha e em Portugal. Foi dentro do #GenomicLab que criamos o projeto Ciência Cidadã Pantanal. Chamei colegas de universidades federais e estaduais, unidades da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], ONGs e algumas empresas privadas para se juntarem ao projeto, que é muito importante porque entre 27% e 30% do bioma do Pantanal localizados no Brasil foram queimados, e isso equivale a quase 30 vezes o tamanho da cidade de São Paulo ou à Dinamarca inteira.


A área queimada foi gigantesca, é como se um país europeu inteiro tivesse sido incendiado

O Pantanal como um todo tem 179 mil quilômetros quadrados, e, desse total, 78% estão localizados no Brasil. O resto está distribuído entre Bolívia e Paraguai. A área queimada foi gigantesca, é como se um país europeu inteiro tivesse sido incendiado. É importante fazer essa comparação porque se fala muito da Amazônia e da Mata Atlântica, mas a maioria das pessoas não conhece o bioma do Pantanal de fato. Diante desse impacto todo, conseguimos sensibilizar uma grande rede para esse projeto. Assim, começamos a receber doações de material, como tubos, ponteiras, pipetadores, entre outros, que foram suficientes para fazermos a primeira coleta de amostras para extrair o DNA, em dezembro de 2020 e janeiro deste ano. Recolhemos amostras de água de lagoas e do solo do Pantanal. O próximo passo é sequenciar o DNA dessas amostras.

Por Valquíria Daher
Jornalista, ICH