O imperativo da representação

Revistando o tema central do filme Tomboy, verifica-se o quanto os adultos ainda precisam se sensibilizar para lidar com a transexualidade infantil, questão tão delicada e importante

CRÉDITO: IMAGEM ADOBESTOCK

Em sua obra O mundo como vontade e como representação, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) diz: “O mundo é minha representação. Esta é uma verdade que vale em relação a cada ser que vive e conhece, embora apenas o homem possa trazê-la à consciência refletida e abstrata”. Esta citação me veio à cabeça depois de conhecer os problemas que a pequena Laure, protagonista do filme Tomboy, tem de enfrentar para lidar com a frustração e o desconforto de não se sentir satisfeita com sua natureza feminina. 

Apesar dos seus dez anos de idade, Laure demonstra não ter nenhuma dúvida sobre o desejo de ser um menino, e, para que os novos amigos a vejam assim, mesmo correndo todos os riscos de ser desmascarada, ela desenvolve várias estratégias identitárias na tentativa de amenizar um pouco o sofrimento de não ser quem realmente deseja. O filme, dirigido pela cineasta francesa Céline Sciamma, também autora do roteiro, não é novo, data de 2011, mas segue fazendo pensar sobre o espinhoso e invisível tema da transexualidade infantil.

A personagem Laure, interpretada por Zoé Héran, ao se mudar para um novo endereço, junto com seus pais e sua irmã caçula, aproveita o fato de não ser conhecida no bairro e resolve se apresentar aos novos amigos com a identidade que deseja ter: Mickael. A situação é desconhecida por sua família, embora Laure, em nenhum momento, faça questão de se comportar como uma menina. Sua anatomia indefinida, seus cabelos muito curtos e a opção por roupas masculinas não deixam dúvidas sobre sua identidade de gênero. E é desse modo que Laure se relaciona com seus pais e com sua irmã, acreditando que todos na casa não tenham qualquer restrição ao seu comportamento masculino. Sua mãe, por exemplo, deixa claro para a filha que seu desejo por um quarto pintado de azul pode ser atendido na nova residência. A atitude materna, porém, tem a intenção de amenizar o desconforto e o estranhamento provocados pela mudança de casa.