Os equívocos da educação em tempos de pandemia

Era final de março, e o isolamento social necessário para frear a covid-19 mal havia começado no Brasil quando Bruna Werneck criou um perfil no Instagram (@werneckb.rj) e provocou: “Em tempos de pandemia, olhares se voltam para a educação a distância. Porém, a transposição da educação presencial para a modalidade EaD tem seus desafios. ‘Bora’ conversar?”, ela escreveu, com a experiência de quem trabalha no Consórcio Cederj, da Fundação Cecierj, que oferece cursos de graduação na modalidade a distância em parceria com instituições do peso como UFRJ, UFF e Uerj, entre outras. “Sou designer instrucional. Meu papel é conversar com o professor, entender quais são os objetivos educacionais daquela disciplina ou daquele curso, e ajudar esse professor a usar a tecnologia da melhor maneira para atingir seus objetivos. Tudo o que os professores não têm neste momento de quarentena”, enfatiza Bruna, que, com a repercussão de suas postagens, tem debatido o tema em diferentes espaços. Nesta entrevista, ela analisa o momento atual e avalia o que pode ser tirado dessa experiência: “Ficou ainda mais evidente que políticas de democratização de internet são essenciais para a educação e a retomada da economia. A telefonia celular usa um espectro eletromagnético similar ao da TV e do rádio, que são gratuitos. A internet requerer assinatura mostra uma escolha ideológica na política de comunicação do país. Também é preciso repensar os vínculos de trabalho dos professores, que, atuando em múltiplas escolas, não têm tempo para se inserir na cultura de uma comunidade ou mesmo de trabalhar em equipe com outros professores. Essas mudanças são importantes para desenvolver a educação do século XXI”.

Ciência Hoje: A pandemia de covid-19 reforçou a desigualdade entre os estudantes em relação ao acesso à internet. Existem dados sobre isso? Quais as consequências desse ensino remoto improvisado? 

Bruna Werneck: As consequências são dramáticas. Existem várias pesquisas monitorando isso, mas o grau de confiabilidade dos dados varia porque, muitas vezes, as secretarias indicam, por exemplo, que 80% dos alunos têm acesso à plataforma, mas isso significa que eles acessaram ao menos uma vez, não é garantia de acesso regular, não quer dizer que eles tenham celular próprio, computador, banda larga ou dados para acompanhar todo o conteúdo que se espera durante um mês. A desigualdade é dramática. Nas escolas particulares, houve pressão para se adaptar logo, mas, por mais que eu tenha muitas críticas às abordagens pedagógicas oferecidas por elas no ensino remoto, ao menos acesso à internet o aluno da rede privada tem, e a maioria dos alunos das escolas públicas, não. É uma perda de mais de uma década, porque o Brasil conseguiu, nos últimos anos, atingir a universalização de matrículas para crianças no ensino fundamental, e isso está se perdendo porque os alunos não estão frequentando essa escola virtual que se colocou.

Valquíria Daher

Jornalista
Instituto Ciência Hoje