Antes da chegada dos portugueses à América do Sul, esta parte do continente era, nas palavras do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, um “tecido contínuo” de populações indígenas, sem grandes vazios demográficos. Havia várias formas de organização de governo por aqui, desde um grande Estado teocrático, o ‘Império Inca’, nas terras altas dos Andes, até as famosas tribos habitantes do atual Brasil, pertencentes a troncos linguísticos como o Macro-Jê e o Tupi.
Tais tribos não só não constituíam Estados como, segundo o antropólogo francês Pierre Clastres, se organizavam “contra o Estado”. Isso não quer dizer que não houvesse um chefe e, portanto, uma forma de governo. Entretanto, o chefe (um cacique, por exemplo) não submetia a população por meio de sua autoridade; pelo contrário: ele era submetido pelo seu grupo. Além de ter que se mostrar um bom chefe por suas qualidades como caçador ou guerreiro – podendo ser substituído em caso contrário –, ele deveria provar-se generoso, dividindo tudo o que tinha a mais com o seu grupo. Isso dificultava a concentração de riqueza e de poder por um indivíduo só, impedindo a criação de Estados. De todo modo, não devemos pensar que essa forma de se organizar é ‘menos complexa’: sua complexidade consiste, justamente, em criar mecanismos sofisticados para sabotar a formação de um Estado.
João Gabriel da Silva Ascenso
Professor de História do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Doutorando do Programa de Pós-graduação em História Social da Cultura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro