O astrofísico Alan Alves Brito fala da importância da educação pública para combater o racismo estrutural, critica a falta de diversidade nas universidades e destaca os desafios das escolas quilombolas, ainda invisibilizadas no país
O astrofísico Alan Alves Brito fala da importância da educação pública para combater o racismo estrutural, critica a falta de diversidade nas universidades e destaca os desafios das escolas quilombolas, ainda invisibilizadas no país
Depois de fazer mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e de seis anos e meio de pós-doutorado no Chile e na Austrália, onde trabalhou com o grupo do vencedor do prêmio Nobel de Física de 2011, o astrofísico baiano Alan Alves Brito voltou ao Brasil, em 2014, diretamente para trabalhar como professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A chegada, ele conta, não foi tranquila: “Tive aqui experiências racistas, xenofóbicas e homofóbicas. Como pesquisador, professor e educador, decidi dar respostas estruturais. Foi aí que eu resolvi trilhar um caminho pedagógico, me aquilombar, ficar junto aos meus, criar disciplinas e projetos de educação”. Há oito anos, Alan, vencedor do Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica em 2022, desenvolve projetos voltados às questões étnico-raciais com escolas e professores e, também, cria disciplinas de graduação e de pós-graduação. Com o projeto Zumbi-Dandara dos Palmares, o pesquisador e os colaboradores traçaram um panorama das escolas quilombolas no Brasil, além de desenvolver cursos de formação de professores e diversos materiais didáticos. “Não há como um pesquisador negro não se enegrecer, não se potencializar, porque o tempo inteiro o que a estrutura nos diz é: ‘Você é negro e este não é seu lugar; você é nordestino, aqui não é o seu lugar, o seu sotaque me incomoda, a sua presença me incomoda porque, no meu imaginário social, você está em outro lugar, que não é aqui.’ A única opção era me empoderar”, ele diz. Com seu trabalho com as escolas quilombolas, Alan também empodera estudantes e professores negros: “É um processo importante de fortalecimento da autoestima e, quando os corpos negros quilombolas reconhecem a sua história, quando as instituições, as universidades, as escolas também reconhecem essas histórias, isso traz muito empoderamento. A autoestima é parte fundamental do combate ao racismo. O racismo dilacera a autoestima das pessoas negras. Quando tudo isso é reconhecido, nos fortalecemos. E pessoas fortalecidas ganham o mundo, abrem portas, arrombam outras tantas e vão fazendo os sonhos se tornarem realidade”.
CIÊNCIA HOJE: Como os saberes e as culturas africanas afro-brasileiras e dos povos originários estão inseridos atualmente nas escolas e universidades do Brasil?
ALAN ALVES BRITO: Eu diria que não estão inseridos como gostaríamos ou da forma organizada como gostaríamos. Temos marcos legais fundamentais para isso, como a lei 10.639, de 2003, que prevê o estudo da história e da cultura africana e afro-brasileira em todos os níveis de educação; a lei 11.645, de 2008, que amplia a lei de 2003 para incluir as questões indígenas; temos as Diretrizes Curriculares Nacionais para as Relações Étnico-raciais, de 2004, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola, de 2012. Só da lei de 2003, são quase 20 anos regulamentando e orientando, mas os currículos, tanto na educação básica quanto nas universidades, não acompanham. Ou seja, temos uma questão de formação inicial de professores e de formação continuada. Então, eu diria que avançamos muito desde 2003, mas temos ainda muitos desafios na implementação das leis, na articulação das instituições, das secretarias municipais e dos referenciais curriculares nos estados, e no estabelecimento e no acompanhamento de diretrizes e das políticas públicas pensando essas questões.
CH: Como você falou, são quase 20 anos da lei 10.639 e ainda há essa série de desafios. Qual é o principal obstáculo?