“Foi um escravo bagajeiro que foi de barco para lá/Trouxe palavras novas, kianda virou iemanjá/Calulo virou moqueca, funje virou vatapá”. A primeira estrofe de ‘É Luanda’, letra composta pelo músico angolano André Mingas, cabe muito bem como liga para a receita apresentada neste artigo. Para além da transnacionalidade melódica e rítmica da música em si, a letra nos fala sobre como o trânsito e a circulação de produtos, pessoas e saberes alimentam as culturas, nos proporcionando novas palavras e tantos outros sabores.E é interessante se pensar como e quais elementos proporcionaram essas novas harmonizações. Quantas histórias e culturas temperam as nossas comidas? Porque nenhum prato ou iguaria é um bem natural. Há sempre uma construção social por trás de todos esses elementos e há, ao longo desse processo, uma dinâmica construção cultural que lhe atribui sentidos, significados.
Mas, ainda que essas construções culturais sejam fruto de deliciosas combinações, o perigo em sermos tragados por uma ideia de amálgama cultural imune às relações díspares de poder deve ser afastado, sobretudo na medida em que, daqui em diante,serão levados ao fogo elementos de um território ainda sob jugo colonial. Independente em finais de 1975, Angola foi colônia portuguesa por mais de 400 anos e teve como marca indelével de sua história o tráfico de escravizados, acontecimento que inegavelmente se conecta com a própria história do mundo atlântico – como bem cantado por Mingas. É importante frisar um princípio fundamental: do início ao fim, tanto objetiva quanto subjetivamente, o processo de colonização foi violento.
Karina Helena Ramos
Grupo de Pesquisa Áfricas,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Rio de Janeiro
Grupo de Estudos de História da África (GEHA),
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro