Circulam pela internet desde 2015 alguns vídeos em que um brinde que acompanha os lanches de uma rede de comida rápida supostamente falaria uma expressão inapropriada a um produto voltado para o público infantil. Nesses vídeos, pais relatam que um boneco que representa os personagens de filmes de animação infantis conhecidos como minions, descritos como pequenos seres que servem cegamente às figuras mais cruéis da história, gritariam a expressão “what the f**k!”. Após esses vídeos viralizarem nas redes dos Estados Unidos, algumas pessoas no Brasil foram além: afirmaram que, além da referida expressão do inglês, também ouviriam em bom português a não menos inapropriada expressão “tá olhando o quê?“.
Este seria um caso de pais exageradamente zelosos que estão experienciando ilusões sonoras ou seria uma conspiração maligna de uma megacorporação com a intenção de subverter a inocência de uma geração de crianças? Tudo indica que a primeira opção é a verdadeira. A nossa mente é capaz de construir percepções sensoriais (auditivas, visuais, táteis, olfativas e de paladar) que não existem sem correlação direta com a materialidade sensorial imediata. Quando essas construções de percepção envolvem expressões linguísticas, os linguistas chamam o fenômeno de soramimi – termo de origem japonesa (soramimi kashi) que significa algo como ‘orelha vazia’ ou ‘ouvir errado’ e refere-se à interpretação de sequências sonoras similares de uma língua para outra.
Andrew Nevins
Departamento de Linguística e Filologia
Faculdade de Letras
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Glauber Romling
Programa de Pós-graduação em Letras e Licenciatura Intercultural Indígena
Universidade Federal do Amapá