Profundidade ampliada

Em sua missão de mais de 20 anos com o objetivo de descobrir segredos do cosmos, o telescópio espacial Hubble segue produzindo encantamento aqui na Terra. Na semana passada, foi liberada a mais colorida imagem já feita do seu chamado campo ultraprofundo. Pela primeira vez, a imagem, que captura cerca de dez mil galáxias, inclui observações no comprimento ultravioleta do espectro eletromagnético. O registro mostra um colorido inédito do espaço e pode ajudar no estudo da evolução das galáxias.

A nova imagem foi produzida pela observação prolongada de uma pequena faixa do céu próxima à constelação de Fornalha, no hemisfério Sul

A primeira imagem do campo profundo do Hubble foi feita em 1995, com a observação prolongada de uma fração ‘vazia’ do céu, que revelou milhares de galáxias distantes. Nove anos depois, foi observado o campo ultraprofundo do Hubble, um mergulho ainda mais longe no cosmos, seguido pelo campo profundo extremo do Hubble, em 2012. Este último captou a radiação eletromagnética infravermelha próxima emitida por galáxias a mais de 13 bilhões de anos-luz de distância de nós, apenas algumas centenas de milhões de anos após o Big Bang.

A nova imagem, parte do projeto Cobertura Ultravioleta do Campo Ultraprofundo do Hubble, adiciona informações em comprimento de onda ultravioleta aos registros anteriores do campo ultraprofundo e foi produzida pela observação prolongada de uma pequena faixa do céu próxima à constelação de Fornalha, no hemisfério Sul. “No somatório total, foram 23 dias de observação, divididos entre observações separadas com cada filtro, do azul ao vermelho”, explica a astrofísica brasileira Duília de Mello, pesquisadora da agência espacial norte-americana (Nasa) e uma das responsáveis pela imagem.

Veja vídeo que mostra a área do universo observada

 

Ineditismo ultravioleta

Esse novo campo ultraprofundo do Hubble abrange todo o espectro eletromagnético capaz de ser captado pelo telescópio espacial, do infravermelho próximo ao ultravioleta. “Quando os registros anteriores foram feitos, ele ainda não possuía uma câmera capaz de registrar radiação ultravioleta, instalada apenas em 2009”, recorda Mello. “E só no ano passado nosso projeto foi aprovado para estudar o campo ultraprofundo no ultravioleta, pois é muito competitivo ganhar tempo de observação com o Hubble.”

Os novos dados vêm suprir uma lacuna importante no estudo da evolução do universo: a falta de registros ultravioletas de distância intermediária, de 5 a 8 bilhões de anos-luz

O telescópio espacial não é o primeiro a estudar esse tipo de radiação no universo – o satélite Galex (Galaxy Evolution Explorer), desligado em 2013, também fez registros nessa faixa do espectro e trouxe muitas informações sobre a formação de estrelas e galáxias próximas. “O problema do Galex é o tamanho, seu poder de resolução: enquanto ele tinha apenas 0,5m de diâmetro, o Hubble tem 2,5m”, explica Mello. “Ou seja, o Galex não enxergava objetos mais distantes com os detalhes que o Hubble consegue enxergar.”

Os novos dados vêm suprir uma lacuna importante no estudo da evolução do universo. Se, por um lado, a observação da radiação infravermelha próxima no campo profundo do Hubble ajuda a estudar o passado distante das galáxias, por outro, os dados do Galex permitem a observação de processos mais recentes. Porém, a falta de registros ultravioletas de distância intermediária, de 5 a 8 bilhões de anos-luz, não permitia completar esse panorama. “Essa época é muito importante, pois nela parece ter ocorrido a formação dos discos espirais galácticos, como o da Via Láctea, e as novas observações do Hubble ajudam a estudar esse processo”, comemora Mello.

Passado infravermelho

O estudo dos campos profundos do Hubble é feito por espectroscopia, a análise da radiação eletromagnética produzida pelas galáxias e outras estruturas do cosmos. Como o universo está em expansão, os objetos que estão a distâncias muito grandes de nós também se afastam a grande velocidade. Além de a radiação eletromagnética que captamos deles ser bem fraca, ela sofre um ‘desvio’ para o vermelho – devido a um fenômeno físico chamado efeito Doppler –, ou seja, seu comprimento de onda vai aumentando, se aproximando cada vez mais do vermelho e até do infravermelho.

Está programado para 2018 o lançamento de um novo telescópio espacial, o James Webb, capaz de fazer observações em infravermelho

Por isso, para observar objetos muito distantes no campo profundo, são usados, em geral, filtros para a faixa do infravermelho próximo. Desvios muito acentuados, no entanto, podem tornar essas estruturas indetectáveis mesmo para o Hubble.

Para tentar ver ainda mais longe, está programado para 2018 o lançamento de um novo telescópio espacial, o James Webb, capaz de fazer observações em infravermelho. A combinação de seus dados com os muitos registros do Hubble, inclusive dos campos profundos ultravioletas, poderá ajudar a desvendar o processo de formação das galáxias ao longo dos últimos 13 bilhões de anos.   

Leia mais sobre o estudo das galáxias e do campo profundo do Hubble em uma entrevista com Duília de Mello.

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line