A bombesina foi descoberta há algumas décadas na pele do sapo da espécie Bombina bombina. Agora, neuropeptídeos da família dessa substância podem servir de base para tratar tumores e doenças neurológicas (foto: Marek Szczepanek).
Uma classe de moléculas descoberta na década de 1970 na pele de sapos desponta como a mais nova alternativa para tratamento de câncer e doenças neurológicas. Experimentos com estruturas da família da bombesina (peptídeo encontrado na pele do anfíbio da espécie Bombina bombina) têm revelado que é possível inibir o crescimento de tumores em humanos e prevenir disfunções de memória relacionadas a doenças como mal de Alzheimer.
A conclusão vem do estudo de uma equipe interdisciplinar coordenada pelo neurobiólogo Rafael Roesler e pelo oncologista Gilberto Schwartsmann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e pelo bioquímico Felipe Dal Pizzol, da Universidade do Extremo Sul Catarinense, em Criciúma.
O papel de peptídeos semelhantes à bombesina (PSBs, na sigla em inglês) na regulação de diversas funções biológicas foi identificado nas décadas de 1970 e 1980, e estudos posteriores mostraram a relação entre a formação de tumores e o aumento da quantidade de um PSB humano específico, o peptídeo liberador de gastrina (GRP, na sigla em inglês).
O GRP é um neuropeptídeo que age como neurotransmissor, ou seja, é sintetizado e transmitido por neurônios, regulando a transmissão de mensagens entre uma célula nervosa e outra ou a função de células-alvo inervadas pelo sistema nervoso periférico. Em diversos tipos de câncer, no entanto, o GRP é responsável pela multiplicação de células tumorais e, por isso, aparece em quantidade mais elevada do que em células saudáveis. “De acordo com a quantidade de GRP, é possível distinguir tecidos tumorais de tecidos saudáveis”, diz Roesler.
A equipe é pioneira em estudos clínicos com o RC-3095, um peptídeo sintético que poderá se tornar uma nova droga contra o câncer. Testes realizados em células de um tumor cerebral cultivadas em laboratório indicam que o RC-3095 pode inibir o crescimento do tumor ao impedir a junção do GRP com seu receptor (GRPR). Em ensaios iniciais com seres humanos, a administração da substância mostrou-se segura.
“Diferente da quimioterapia tradicional, que atinge células saudáveis e produz efeitos colaterais indesejáveis, como fraqueza, emagrecimento e perda de cabelo, o novo tratamento é direcionado”, compara Roesler. Além do câncer cerebral, outros tipos de neoplasia se reproduzem da mesma forma, como tumores de mama, pulmão, próstata e colo do útero. Mas o neurobiólogo enfatiza que os experimentos ainda estão em fase inicial e que novos testes podem indicar algum tipo de efeito colateral. “Para que o tratamento seja seguro e eficaz, podem ser necessários ainda muitos anos de pesquisa.”
Leque de possibilidades
Modelo tridimensional da estrutura do peptídeo liberador de gastrina (GRP) (arte: Biochemical and Biophysical Research Communications).
Além de promissor no combate ao câncer, o estudo de PSBs tem trazido esperança para o tratamento de disfunções neurológicas, principalmente aquelas relacionadas à memória. Células de portadores do mal de Alzheimer, por exemplo, têm variações na quantidade de GRPR e nas respostas bioquímicas aos PSBs.
Da hipótese de que a presença do peptídeo beta-amilóide é o principal responsável pela degeneração cerebral associada à doença, a equipe partiu para a simulação, em laboratório, do processo de perda de memória. Pequenas quantidades do peptídeo beta-amilóide injetadas em neurônios do hipocampo (parte do cérebro responsável pela memória) de ratos desencadearam perda significativa da capacidade de formar memória nas cobaias. “Animais tratados com bombesina antes da administração do beta-amilóide permaneceram com memória normal, uma indicação preliminar de que ela pode evitar a perda de memória decorrente do mal de Alzheimer”, diz Roesler.
Outras manifestações de mudança em PSBs relacionadas a doenças do cérebro indicam a possibilidade de futuros tratamentos eficazes a partir da regulação dos níveis de peptídeos no organismo. Pacientes com esquizofrenia e mal de Parkinson apresentam níveis alterados de PSBs na urina, no fluido cérebro-espinhal (que banha o sistema nervoso central) e no tecido cerebral. Em autistas, foi identificada uma alteração no gene que codifica o GRPR.
Célio Yano
Especial para a CH On-line / PR
13/10/2007