Desde que se popularizaram, os drones vêm sendo usados para as mais diversas finalidades, de armas de guerra a auxiliares na arqueologia, de protagonistas de espetáculos de circo a entregadores de pão. Agora, os veículos aéreos não tripulados chegaram aos confins das florestas da América do Sul e Ásia, mais precisamente às mãos de indígenas que os têm empregado como ferramenta de preservação ambiental e monitoramento de suas terras.
Na Indonésia, país que abriga a terceira maior floresta tropical no mundo, comunidades indígenas usam os drones para mapear de forma eficiente os seus territórios. Desde maio do ano passado, uma emenda ao código florestal do país retirou as florestas habitadas por grupos tradicionais da categoria de terras estatais. As terras indígenas, bem como os seus recursos naturais, passaram então a ser dos próprios povos que nelas vivem. Assim, o estado deixou de ter o poder de vender as florestas para empresas privadas, como vinha sendo feito com frequência no país.
Da mudança na lei, surgiu a necessidade de ter conhecimento sobre os limites das terras indígenas e das condições da mata no entorno de empresas que já tinham recebido do governo o direito de explorar esse território. Os drones foram a solução adotada por muitas comunidades, entre elas, a Setulang, na província de Malinau. Com a junção das fotos aéreas tiradas pelo equipamento, é possível obter um mapa detalhado do local.
“O mapeamento com drones é importante para nós porque, quando falamos com as companhias que a terra é nossa, elas sempre colocam em dúvida a nossa existência e o nosso território, questionam onde estamos localizados, mas o mapa é a prova de nossa existência”, conta a líder indígena Mina Estra, da Aliança dos Povos Indígenas da Indonésia (Amam).
Os atuais mapas do Ministério das Florestas da Indonésia possuem escala de 1:250.000 e não exibem as aldeias indígenas. Os mapas obtidos com os drones têm um nível bem maior de detalhamento e já estão sendo enviados ao governo pelos índios.
Atualmente há cerca de 70 milhões de índios vivendo nas florestas da Indonésia e a expectativa do grupo é mapear com os drones 40 milhões de hectares até 2022. “É muito importante prover essas informações para o governo e para quem quiser saber de nossos territórios”, diz Estra. “Agora temos provas para dizer que o território é nosso e tomar as devidas ações caso ele esteja sendo destruído por alguém de fora.”
Vazamentos no Peru
Na Amazônia peruana, comunidades indígenas seguem o mesmo exemplo e, desde o início deste ano, vêm recebendo treinamento para usar os drones. A iniciativa foi de um casal de artistas búlgaros, Nina e Georgi Tushev, donos da Tushev Aerials. Os dois constroem drones para fazer fotos aéreas, exibidas em galerias e museus, e tiveram a ideia de oferecer a ferramenta para que os povos indígenas monitorassem suas terras. Viajaram ao Peru e lá promoveram, com o apoio da Fundação Ford, oficinas de uso do equipamento para quatro comunidades em Saramuro, na província de Loreto, às margens do rio Maranon.
Assista a um vídeo que mostra o treinamento dos índios para usar drones
“Estar no Peru me mostrou o quão revolucionária é essa ferramenta para esse grupo marginalizado durante tanto tempo”, conta Nina Tushev. “Nossa esperança é que essa ferramenta dê mais informações e evidências que ajudem os indígenas a proteger melhor seus territórios das pressões que eles sofrem, muitas vezes sozinhos. É um meio seguro e barato.”
Um drone e um laptop necessário para sua operação, orçados em 5 mil dólares, foram doados para os indígenas. O drone consegue voar por até uma hora e cobrir cerca de 20 km2 nesse intervalo.
Desde que começaram a usar a tecnologia, os índios peruanos já puderam detectar três vazamentos de petróleo em dutos de empresas que têm a concessão governamental para explorar o recurso em suas terras.
“No Peru, o governo não tem controle suficiente para impedir o impacto ambiental de petroleiras e madeireiras que atuam dentro dos territórios indígenas”, afirma Henderson Rengifo, da Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep). “As empresas têm contaminado nossos rios e a ação do governo tem sido quase nula. Com os drones, rapidamente podemos detectar e denunciar as más ações. Agora, somos parte da solução.”
Depois de recentes reclamações dos indígenas à companhia de petróleo e gás natural que atua em suas terras, a argentina Pluspetrol, as medidas cabíveis foram tomadas para resolver o problema. A empresa assumiu o impacto ambiental dos vazamentos e tem realizado ações de mitigação e reflorestamento.
Vazamentos de óleo na região não são raros. No ano passado, o governo peruano decretou três emergências ambientais por esse motivo em zonas de floresta. No Brasil, embora a exploração de recursos naturais em terras indígenas só possa ocorrer com o consentimento dos seus habitantes, de acordo com a Constituição Federal, casos semelhantes têm sido divulgados. Recentemente, povos indígenas Suruwaha, Banawa, Deni e Paumari, da Amazônia, denunciaram por meio da ONG Survival International que a Petrobras se preparava para extrair petróleo e gás em suas terras sem autorização.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line