Provando o próprio veneno

Uma vacina terapêutica contra o HIV (vírus causador da Aids) acaba de ser testada por uma equipe da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade de Paris (França). Os resultados são ainda parte da fase um da pesquisa, que comprovou a segurança e a eficácia do método, e revelaram uma diminuição significativa na carga viral e o aumento das defesas nos pacientes voluntários.

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Microscopia eletrônica colorizada do HIV
(aumento de 100 mil vezes)

A vacina foi aplicada em 18 brasileiros infectados pelo vírus que ainda não haviam sido submetidos a qualquer tipo de tratamento contra a doença. Eles foram acompanhados durante um ano e verificou-se que, em média, houve 80% de redução da carga viral (a concentração de vírus no sangue) e que oito pacientes chegaram a apresentar redução de 90%. O resultado dos testes foi publicado em 28 de novembro na versão eletrônica da revista Nature Medicine

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A função da vacina não é combater o vírus, mas sim ensinar o sistema imunológico do paciente a fazê-lo. Por isso ela usa como princípio ativo células especializadas do sistema imunológico conhecidas como células dendríticas. Elas são as células que melhor identificam o vírus e também as que apresentam o melhor antígeno para combatê-lo. Por conta disso, o HIV as usa apenas para penetrar no organismo, mas não se junta mais a elas depois de infectá-lo. Ele destrói essas células à distância ao induzir seu ‘suicídio’ (apoptose) e deteriora, assim, o sistema imunológico do indivíduo.

 

A novidade no tratamento é o caráter autólogo da vacina, ou seja, ela é feita com material fisiológico do próprio paciente e, por conta disso, é necessária uma vacina diferente para cada indivíduo. O vírus é retirado do paciente e inativado quimicamente. Em seguida, in vitro, junta-se o vírus inativo, porém inteiro, a uma célula dedrítica do próprio paciente.

 

A célula dedrítica é reinjetada junto com o vírus. Esse procedimento faz com que a resposta auto-imune seja reativada e o HIV seja combatido pelo próprio organismo do indivíduo infectado.

 

Os pacientes tratados tinham a carga viral estável – esse estágio da doença precede a multiplicação desenfreada de HIV no organismo, que acaba por levar à morte. O declínio da população de HIV depois de sua estabilização é um avanço nas pesquisas para o tratamento da Aids, mas ainda não significa que a cura esteja próxima. “A ciência não dá grandes saltos, salvo algumas exceções, mas mostra um caminho”, avalia cauteloso o infectologista Luiz Cláudio Arraes, da UFPE.

 

A fase dois da pesquisa, já aprovada pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), está prevista para começar em fevereiro de 2005. Ela ocorrerá também em Recife, envolverá cerca de 20 novos pacientes e deve durar seis meses. A intenção é determinar a dose da vacina e obter avanços rumo à padronização do tratamento, ou seja, a obtenção de um modelo único de vacina que possa ser usado para todas as pessoas infectadas pelo HIV. Na fase três, que deve durar um ano e ainda não tem previsão de início, o estudo será feito em grande escala e envolverá outros centros de pesquisa.

 

A expectativa é que a vacina seja uma alternativa ao coquetel de medicamentos atualmente usado para o tratamento de indivíduos infectados pelo HIV. Isso não significa, porém, que apenas uma dose possa substituir o tratamento. “A vacina poderia ser uma estratégia periódica de tratamento, para evitar os efeitos colaterais dos remédios”, explica Luiz Cláudio.


Aline Gatto Boueri

 

Ciência Hoje On-line

01/12/04