Próxima era glacial não chegará tão cedo

 

 A superfície do planeta repleta de gelo: essa era a paisagem da Terra de 20 a 100 mil anos atrás, durante a última era glacial. Há pouco mais de 10 mil anos, porém, a temperatura subiu e parte do gelo derreteu, o que marcou o início do Holoceno, período interglacial que dura até hoje. Na década de 1970, pesquisadores declararam que o atual intervalo quente estaria no fim e que uma nova glaciação chegaria em breve. No entanto, estudos recentes apontam que o Holoceno não vai acabar tão cedo, em parte devido à atividade humana.

null Em 1972, cientistas calcularam que os dois últimos intervalos quentes teriam durado 10 mil anos. Como essa é a idade do período interglacial que vivemos hoje, concluíram que ele estaria prestes a acabar. Contudo, em artigo publicado em 23 de agosto na revista Science , os especialistas em estudos climáticos André Berger e Marie-France Loutre, da Universidade Católica de Louvain (Bélgica), sugerem que o atual intervalo quente tem no mínimo mais 40 mil anos pela frente. “Períodos interglaciais tão longos são muito raros e talvez nunca tenham existido”, diz à CH on-line o professor Berger.

Baseada em suas próprias pesquisas e nas de outros cientistas, a dupla belga aponta que, no futuro, o clima do planeta pode não seguir os mesmos passos do passado. Segundo Berger e Loutre, os mecanismos e forças que produziram o aquecimento dos últimos períodos interglaciais seriam diferentes dos que regem o Holoceno. A concentração de gás carbônico (CO 2 ) na atmosfera, por exemplo, é hoje cerca de 30% maior que em outros intervalos quentes e estima-se que, devido à atividade humana, ela ainda vá aumentar muito mais nos próximos milhares de anos.

Os gases de efeito estufa e a insolação (quantidade de radiação solar que chega à atmosfera terrestre) são as principais variáveis que afetam o clima em escala de tempo geológica. “Como a insolação não vai variar muito ao longo das próximas dezenas de milhares de anos, a importância do CO 2 será maior”, explica Berger, que desenvolveu, em parceria com Loutre, um modelo de computador para simular os efeitos do gás sobre o clima.

 

Hoje, a concentração de CO 2 na atmosfera já ultrapassa 370 ppmv (partes por milhão por volume) e acredita-se que ela pode mais que dobrar até o final do século 21. “Nosso modelo mostra que, acima de 700 ppmv, o gelo da Groenlândia desaparece”, afirma Berger. “A concentração de CO 2 ainda não chegou esse limite, mas pode atingi-lo antes de 2100”, alerta.

O trabalho dos cientistas belgas aponta que uma futura glaciação só ocorreria daqui há 100 mil anos. “Contudo, se o gelo da Antártica derreter, assim como o da Groenlândia, é possível que a próxima glaciação nunca aconteça”, diz Berger, que ainda não incluiu o continente gelado em suas simulações.

Fernanda Marques
Ciência Hoje on-line
05/09/02