Quando a arquibancada treme

“O jogo pega fogo. A torcida faz tremer a arquibancada.” Quantas vezes já não ouvimos essa exclamação de um locutor de futebol, em partidas importantes e disputadas? O que não sabemos, porém, é que a vibração constante e os pulos sincronizados das torcidas organizadas podem danificar e provocar fissuras na estrutura dos estádios. Essa é uma das conclusões da tese de doutorado do engenheiro José Fernando Sousa Rodrigues, defendida na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP).

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Foi medido o impacto do comportamento das torcidas organizadas sobre
a estrutura do Maracanã (foto), do Castelão, do Morumbi e do Ibirapuera

Fernando explica que a maioria dos estádios brasileiros foram construídos antes do surgimento das torcidas organizadas no fim dos anos 1960, e por isso suas estruturas não foram projetadas para suportar o comportamento que os torcedores de hoje mantêm. “Muitos estádios brasileiros apresentam fissuras na estrutura causada pela movimentação das torcidas”, diz o pesquisador.

Para medir esse impacto, foram instalados pequenos sensores nos pontos das arquibancadas que normalmente mais vibram — as extremidades. Esses sensores eram ligados por cabos a computadores instalados no próprio estádio (nas cabines de rádio, por exemplo). Foram realizadas medições em cerca de cem jogos e eventos esportivos ocorridos no Maracanã (Rio de Janeiro), no Castelão (Fortaleza), no Morumbi e no Ibirapuera (ambos em São Paulo).

O estudo procurou ainda avaliar a sensação de desconforto pela qual os freqüentadores dos estádios passam nos momentos de maior excitação da torcida. Fernando entrevistou jornalistas que trabalham nas cabines de rádio e constatou que eles se sentem desconfortáveis e inseguros nos momentos de pico de vibração na arquibancada, provocados pela chamada ressonância estrutural. Esse fenômeno ocorre quando a freqüência do pulo dos torcedores atinge um valor similar ao da freqüência da arquibancada, o que gera uma maior movimentação da mesma.

Entre os estádios avaliados, o nível máximo de vibração atingida foi constatado no Morumbi. Nesse caso, Fernando verificou que a aceleração provocada na arquibancada pela movimentação foi equivalente a 5% da aceleração da gravidade na superfície da Terra. “A pesquisa sugere um valor limite a partir do qual os usuários costumam manifestar o seu desagrado”, explica o engenheiro. O único estádio em que a vibração ficou abaixo desse limite de conforto foi o Maracanã.

“No estudo realizado em São Paulo, Rio e Fortaleza, verifiquei que as torcidas organizadas mantêm em todo o Brasil um padrão de comportamento muito semelhante”, diz Fernando. Por isso, ele sugere a criação de uma norma nacional para a construção e reforma de estádios.

A própria empresa em que Fernando trabalha, a Laboratório de Sistemas Estruturais, criada após a conclusão do estudo, realiza o diagnóstico de estruturas como estádios e pontes, julga a segurança desses sistemas e desenvolve projetos de reforço, que podem envolver no caso dos estádios a instalação de amortecedores ou o reforço das pilastras de sustentação da arquibancada.

Denis Weisz Kuck
Ciência Hoje On-line
29/07/03