Quando idade e endereço importam

Não é novidade que as hidrelétricas emitem gases-estufa e que, portanto, contribuem para o aquecimento do planeta. Mas o peso real dessas emissões é pouco conhecido. Um estudo de brasileiros publicado ontem (31/7) na revista Nature Geoscience sugere que esses reservatórios de água lançam menos gases do que se pensava e ainda mostra que as emissões variam de acordo com a localização e a idade da usina.

A pesquisa, liderada pelo biólogo brasileiro Fábio Roland, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), reúne dados sobre a emissão de gás carbônico e metano de 85 grandes hidrelétricas de todo o mundo e calcula que, juntas, elas emitem 48 milhões de toneladas de carbono por ano.

Esse valor é muito inferior à estimativa de estudos anteriores, que apontavam uma emissão anual de 321 milhões de toneladas de carbono para todos os reservatórios artificiais de água do planeta.

Os reservatórios emitem mais gases em seus primeiros anos de existência

Ainda assim, Roland ressalta que esse montante não deve ser menosprezado. “Encontramos um baixo valor, mas isso não significa que essa contribuição deva ser subestimada, pois um grande número de reservatórios ainda será construído”, afirma o biólogo.

Os pesquisadores compararam ainda as emissões de hidrelétricas com diferentes idades e comprovaram a hipótese, já levantada anteriormente, de que os reservatórios emitem mais gases em seus primeiros anos de existência.

“Vimos que a idade é uma das variáveis mais decisivas”, afirma Roland. “Quando um reservatório ainda é novo, emite muito metano proveniente da decomposição da matéria orgânica inundada.”

Menor latitude, maior emissão

A pesquisa mostrou também que o local de construção das hidrelétricas influencia suas emissões. Aquelas localizadas em regiões tropicais, de baixa latitude, emitem mais do que as de regiões de clima boreal e temperado, de maior latitude.

Os cientistas ainda não sabem dizer por que isso acontece, mas supõem que a maior temperatura da água nos trópicos seja o principal fator para explicar essa diferença. Os locais com rios de água mais quente, como a Amazônia, foram os que apresentaram as maiores emissões.

Segundo o estudo, um reservatório de água com cinco mil km² localizado em uma zona temperada ou boreal emite até dois milhões de toneladas de carbono por ano. Já em uma zona tropical, o mesmo reservatório emitiria quatro milhões de toneladas de carbono no mesmo período, chegando a sete milhões se fosse construído na Amazônia.

Hidrelétrica Santo Antônio
A usina hidrelétrica Santo Antônio, em construção no Rio Madeira, em Rondônia, vai aproveitar a grande vazão de água. Assim, inundará apenas 271 km², dez vezes menos que a maior usina brasileira, Tucuruí, no Pará. (foto: Furnas/ Divulgação)

A informação preocupa, visto que crescem os projetos para a construção de hidrelétricas na região. O Relatório de Acompanhamento de Estudos e Projetos de Usinas Hidrelétricas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deste ano registra 144 projetos de usinas na Amazônia, entre grandes e pequenas hidrelétricas, inclusive a polêmica Belo Monte, no Pará.

Roland defende que os resultados da pesquisa sejam levados em consideração na hora de se construírem as novas hidrelétricas. “Os novos projetos de hidrelétricas não devem se concentrar somente em minimizar os impactos ambientais aparentes, mas também em minimizar as emissões de metano e gás carbônico por unidade de energia gerada”, afirma.

As hidrelétricas na região da Amazônia merecem mais atenção

O pesquisador cita como exemplo de planejamento as hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, em construção no Rio Madeira, em Rondônia. Segundo ele, esses projetos terão um alto potencial energético sem alagar uma grande área, pois aproveitarão as elevadas vazão e velocidade das águas do rio.

“As hidrelétricas na região da Amazônia merecem mais atenção, mas podem, sim, alcançar níveis menores de emissão se forem cuidadosamente planejadas”, completa Roland.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line