“Quantas vezes uma pedra pode quicar na água, papai?”

 

 Como muitas outras pessoas — inclusive o leitor, talvez –, o francês Lydéric Bocquet é um adepto da brincadeira que consiste em fazer uma pedra quicar na água o maior número de vezes. Como tantas outras, Lydéric tem um filho de oito anos assolado pela curiosidade própria da sua idade. O garoto vivia lhe enchendo de perguntas: Por que as pedras quicam? Como jogá-las para que elas pulem o maior número de vezes?

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Segundo o Guinness, o número recorde de vezes que alguém
conseguiu fazer uma pedra quicar na água é 38 (foto: reprodução )

A maioria dos pais talvez não pudesse resolver essas dúvidas. Mas não Lydéric: ele é físico e pesquisador da Universidade de Lyon. E levou a sério as questões do filho. O resultado é um artigo publicado em fevereiro na revista American Journal of Physics , no qual ele formulou uma série de equações matemáticas para descrever o movimento das pedras que quicam na água.

 

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A questão das pedras não é nova para a ciência: no século 18, o italiano Lazzaro Spallanzani (1729-1799) já tentara explicar a ‘arte dos ricochetes’ (na verdade, ele era naturalista e ficou famoso por estudos nas áreas de fisiologia e microbiologia)

Quem já brincou sabe que as rochas mais indicadas são as chatas e de bordas arredondadas que devem ser jogadas rapidamente de maneira a formarem o menor ângulo em relação à superfície líquida. Em seu artigo, Lydéric explica essas intuições a partir de princípios físicos.

 

Pela lei da mecânica dos fluidos, em contato com um líquido, um corpo sofre uma força para cima chamada empuxo, perpendicular a sua superfície de contato e proporcional a essa superfície e ao quadrado da sua velocidade. Aplicada à brincadeira, essa lei implica que, quanto maior for a velocidade da pedra lançada, maior será a força de repulsão da água sobre ela, e menor a tendência de ela afundar. Para que a pedra quique, é preciso que o empuxo seja maior do que seu peso (a força que o ‘puxa’ para o fundo da água).

Mas não é só isso. Segundo Lydéric, a velocidade mínima para que uma pedra ricocheteie é diretamente proporcional à raiz quadrada da relação entre o peso e raio da pedra. Isso implica que, quanto maior a superfície e menor o peso da rocha, maiores as chances de ela quicar na água. Trocando em miúdos: como reza o senso comum, as melhores pedras são mesmo as mais leves e chatas.

E por que a pedra invariavelmente submerge? Segundo Lydéric, há uma perda de energia cinética a cada colisão, relacionada ao empuxo. Como a pedra se encontra ligeiramente inclinada em relação à água e a força que ela sofre é perpendicular a sua superfície, a pedra é empurrada não só para cima, mas também para trás (confira no esquema abaixo). Com isso, ela perde velocidade progressivamente e acaba por afundar.

 

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O empuxo (E) pode ser decomposto em uma força vertical (Ey), que compensa o peso da pedra (P), e outra horizontal (Ex), responsável por frear o projétil. Quanto maior a inclinação da pedra, maior será Ex.

 

Não é só por isso que a pedra afunda: além de perder energia, ela perde também estabilidade a cada impacto. Para minimizar esse efeito, é preciso mandar a pedra de forma que ela gire em torno de si mesma (pergunte a qualquer lançador habilidoso). Quanto maior for a velocidade de rotação, maior será a resistência da pedra à perda de estabilidade.

Afinal, o que atrapalha mais a pedra: a perda de energia ou de estabilidade? Os cálculos de Lydéric indicam que a pedra torna-se instável antes de perder sua energia cinética. Isso significa que o número máximo de quiques depende mais da velocidade de rotação do que da velocidade de lançamento da pedra. Portanto, da próxima vez que for tentar, capriche na rotação.

Mas qual será o número máximo possível de quiques? As equações de Lydéric não indicam um limite. Atualmente, o recorde registrado no Guinness pertence ao americano Jerdone Coleman McGhee: 38 pulos. “Espero que um melhor entendimento da mecânica do lançamento de pedras permita que alguém quebre esse recorde”, conclui o francês em seu artigo.

Maria Ganem
Ciência Hoje on-line
07/07/03