Quanto mais quente pior

O mosquito da dengue gosta de calor e água limpa – isto realmente não deveria ser novidade para ninguém. No entanto, ainda há muito o que entender sobre a influência de fatores ambientais como a temperatura e a chuva no ciclo de vida do Aedes aegypti e no processo de transmissão da doença. Por isso a importância de pesquisas como a realizada pela Fundação Oswaldo Cruz, que analisou os casos de dengue ocorridos no Rio de Janeiro entre 2001 e 2009 e pode ajudar a identificar padrões que esclareçam essa relação.

O estudo acompanhou a evolução dos índices pluviométricos e das temperaturas mínima, média e máxima registradas na cidade a cada mês durante o período. Os dados, obtidos respectivamente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Secretaria Municipal de Obras Públicas, foram inseridos em um modelo matemático e correlacionados com a evolução de números de casos de dengue ocorridos um, dois e três meses depois – informações adquiridas junto à Secretaria Municipal de Saúde.

De maneira geral, o estudo encontrou uma relação entre o aumento da temperatura e das chuvas e um maior número de casos da doença, em especial no mês seguinte aos de cada medição. Os resultados mais expressivos mostraram que cada variação de 1º C na temperatura mínima mensal foi capaz de levar a uma variação de 45% no número de casos da doença no mês seguinte. “Alterações na temperatura média e na máxima mensais também levaram a aumentos nas ocorrências de dengue, mas de intensidade menor”, afirma a microbiologista Adriana Fagundes Gomes, que realizou a análise da série histórica em sua pesquisa de mestrado.

Aedes aegypti
Influência da temperatura e da pluviosidade no número de casos de dengue está relacionada ao próprio ciclo de vida do mosquito transmissor, o ‘Aedes aegypti’. Calor e abundância de criadouros favorecem a interação entre o homem e o vetor. (foto: Sanofi Pasteur/ Flicrk – CC BY-NC-ND 2.0)

A análise também mostrou que o aumento da proporção de dias com temperatura superior a 26° C de um mês para outro também representou um crescimento significativo do número de casos de dengue no mês seguinte. O inverso também ocorre: uma proporção maior de dias mais frios, com temperaturas inferiores a 22º C, levou a uma diminuição no número de registros da doença no mês seguinte.

A relação da dengue com a precipitação observada no estudo foi mais discreta que a da temperatura, mas também ficou evidente: um aumento de 1 milímetro na quantidade de chuvas foi capaz de elevar em 0,6% o número de casos de dengue no mês seguinte. Para a pesquisadora, a explicação pode estar relacionada aos tipos de criadouros mais comuns do Aedes aegypti na cidade.

“Estudos anteriores mostram que pratinhos de planta e caixas e tonéis de água são criadouros importantes dos mosquitos da região”, avalia. “A disponibilidade desses depósitos está muito mais relacionada à ação do homem do que outros tipos, como piscinas abandonadas e pneus ou garrafas, que só se tornam criadouros quando chove.”

Aplicação na prevenção

Gomes explica que as associações observadas entre temperatura, chuva e casos de dengue passam pelas próprias características do mosquito transmissor. “As mudanças de temperatura tornam mais rápido o desenvolvimento do Aedes aegypti, o que, associado aos índices pluviométricos mais elevados, aumenta a probabilidade de sua interação com o homem, com o mosquito e com o vírus”, explica. “Já o impacto maior dos fatores ambientais logo no mês seguinte ao do recolhimento dos dados pode estar associado ao tempo médio de vida do próprio mosquito, que gira em torno de 30 dias.”

Com base apenas nos fatores climáticos e nos resultados da pesquisa, faz sentido imaginar que, após o calor histórico de dezembro, o verão será problemático nas cidades que sofrem com a dengue

Apesar de os resultados do estudo não serem generalizáveis – aplicam-se apenas à realidade do Rio de Janeiro no período analisado –, a pesquisadora acredita que podem servir como importantes referências para o entendimento e para a prevenção da doença. “O ciclo de vida do A. aegypti está muito relacionado a diversos fatores humanos e ambientais e os resultados nos ajudam a entender a influência de alguns deles a partir de uma importante série histórica”, avalia a microbiologista.

O período analisado engloba duas grandes epidemias na região, em 2001/2002 e 2009/2010, e apenas o intervalo entre 2003 e 2005 não registrou epidemias da doença.

Com base apenas nos fatores climáticos e nos resultados da pesquisa, faz sentido imaginar que o verão será problemático para os habitantes do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras que sofrem com a dengue; afinal, dezembro registrou algumas das maiores temperaturas da história em muitas localidades. “Pelo modelo, é provável que tenhamos o aumento dos casos de dengue no próximo mês, apesar de não ser possível determinar qual a sua intensidade”, avalia. “Mas há outros fatores envolvidos nessa dinâmica que não a temperatura e a chuva, como o trabalho de prevenção realizado no inverno e a conscientização da população para a eliminação dos criadouros do mosquito.”

Assim, resta-nos esperar pelo melhor. 

Marcelo Garcia

Ciência Hoje On-line