Quem vê cara não vê diversidade

A diversidade de insetos que vivem em plantas localizadas na América tropical é muito maior do que se imaginava. A comparação de seqüências genéticas de moscas encontradas na flora da região permitiu identificar espécies que não podem ser diferenciadas apenas com base em sua aparência. O estudo revelou ainda que a diversidade de insetos tropicais herbívoros está relacionada não só com a variedade de espécies de plantas, mas também com o tamanho e a idade da área em que vivem. 

Os cientistas, liderados pela bióloga Marty Condon, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, analisaram trechos do genoma de moscas-das-frutas do gênero Blepharoneura, que se alimentam em flores ou frutos de plantas da família dos pepinos. A equipe trabalhou com 2.857 moscas de 24 espécies hospedeiras de plantas em dez países da América Latina. Um gene foi usado para avaliar 419 espécimes e o padrão genético encontrado foi confirmado pela análise de outros dois genes.

A comparação das seqüências de DNA permitiu a identificação de 52 espécies de moscas. A maioria delas era morfologicamente indistinguível, mas sua divergência genética variou de 6 a 18%. Segundo Condon, é possível observar diferenças nos hábitos de acasalamento das moscas, como a prática de danças muito distintas. A análise genética confirmou que moscas com danças diferentes não pertencem à mesma espécie. “Nosso trabalho revelou níveis de diversidade que nos surpreenderam”, diz a pesquisadora à CH On-line.

Apesar de detectar uma variedade de espécies de moscas maior do que as estimativas originais, os cientistas acreditam que o estudo sub-representa a diversidade atual desse grupo, porque o critério usado para distinguir espécies foi muito conservador: 4% de diferença na seqüência genética, enquanto outros estudos reconhecem espécies com diferença de menos de 1%.

Moscas altamente especializadas

Três espécies de moscas são encontradas na planta  Gurania makoyana,  da América Central. Duas delas se alimentam apenas nas flores masculinas.

O estudo, publicado na Science desta semana, revelou que as moscas têm um grau de especialização maior do que se acreditava antes. A maior parte das espécies se associa a apenas uma espécie de planta hospedeira. A especificidade das moscas também se manifesta em relação à parte da planta que lhes serve de alimento, o que evidencia por que a diversidade de insetos supera a de plantas. Das 45 espécies identificadas em tecidos reprodutivos, por exemplo, somente uma se alimenta de flores e sementes, enquanto todas as outras parecem se restringir a uma dessas opções, inclusive fazendo diferenciação entre flores masculinas e femininas.

Por outro lado, muitas das plantas abrigam várias espécies de mosca. “Observamos que algumas espécies hospedeiras estavam infestadas por pelo menos 13 espécies de Blepharoneura”, dizem os autores no artigo. Normalmente, em uma população com uma única espécie vegetal, são encontradas de quatro a seis espécies de moscas infestando as flores.

A equipe ainda usou a análise genética para estimar a idade das espécies de moscas. Condon explica que a diferença no DNA de duas espécies pode indicar a época em que elas divergiram. Com base em uma estimativa de que 2,3% de diferença no DNA de um gene mitocondrial específico representam um milhão de anos, os pesquisadores calcularam que muitas das espécies se separaram umas das outras mais de dois milhões de anos atrás.

“Nesse período, a América do Sul passou por muitas mudanças climáticas e geológicas e as florestas tropicais – onde esses insetos e plantas vivem – se expandiram e contraíram várias vezes”, lembra Condon. Com a contração e separação dos hábitats, provavelmente novas espécies de moscas evoluíram e, quando as florestas se espalharam sobre grandes áreas, as moscas teriam seguido as plantas. Esse processo explicaria o acúmulo de altos níveis de diversidade em certas áreas.

Espécies brasileiras
Os cientistas pretendem agora estudar mais a distribuição geográfica, o ritual de acasalamento e a ecologia das moscas. “Para isso, precisamos conduzir estudos de campo em diferentes épocas do ano para observar como as espécies interagem quando a abundância de plantas muda”, diz Condon.

A pesquisadora também ressalta a importância de incluir o Brasil em seus estudos – o que não pôde ser feito até agora – e espera formar colaborações com cientistas brasileiros no futuro. “Sem estudar esses insetos e plantas no Brasil, nunca poderemos compreender claramente a evolução da diversidade que descobrimos.”   

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
15/05/2008