Química desvenda segredos da arte

O sistema portátil desenvolvido na Coppe permite identificar os pigmentos usados em uma obra de arte por meio da análise de seus elementos químicos (fotos: Cristiane Calza).

As falsificações de obras de arte estão com os dias contados. Um sistema desenvolvido na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é capaz de identificar os pigmentos originais usados pelo artista, revelando, assim, falsificações, e ainda distinguir retoques em pinturas. Para isso, os quadros e artefatos não precisam nem mesmo sair do museu: o aparelho é portátil e viabiliza a análise de obras cujo tamanho ou raridade dificultariam o transporte a um laboratório.

O equipamento foi desenvolvido pela química Cristiane Calza em seu doutorado no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da UFRJ. Agora a pesquisadora analisa vinte quadros do acervo do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, que entrarão em exposição em maio de 2009. As informações obtidas sobre as telas, feitas por pintores brasileiros do século 19, darão origem a um banco de dados que mostrará quais pigmentos caracterizam a obra de importantes artistas da época.

A técnica usada pelo sistema de Calza é a fluorescência de raios X, que não causa dano ao material analisado. O equipamento é colocado a uma distância aproximada de um dedo da obra de arte ou do objeto arqueológico. Um tubo emite um feixe de raios X que, ao entrar em contato com a obra, provoca a emissão de novos raios X, captados por um detector que gera um gráfico com base na energia correspondente a cada um desses novos raios X.

Como cada elemento químico tem uma energia característica, a análise do gráfico permite identificar os elementos presentes em cada ponto da pintura e, assim, descobrir quais foram os pigmentos usados pelo artista. “Se em uma parte azul da pintura é encontrado ferro, por exemplo, já se sabe que se trata do azul da Prússia, porque esse é o único pigmento azul que contém ferro”, explica Calza.

Em cada quadro, diversos pontos são analisados. Um quadro pequeno pode ter cerca de 50 pontos estudados, enquanto em uma obra grande e com diversidade de cores esse número pode chegar a 500.

Falsificações descobertas

O aparelho, colocado a uma distância de cerca de um dedo da obra de arte, usa uma técnica que não causa dano ao material analisado.

A análise feita por esse sistema pode revelar falsificações em obras de arte. “Se, em todas as áreas brancas de um quadro datado do século 19, por exemplo, for encontrado somente o branco de titânio, a pintura é falsa, porque esse pigmento só começou a ser usado no século 20”, exemplifica Calza.

Com o novo sistema, também foi possível descobrir, em um trabalho realizado no Peru, que algumas peças pré-colombianas que se acreditava serem de ouro continham, na verdade, uma quantidade maior de cobre. “A olho nu, essa diferença é imperceptível. Por isso, a análise científica é tão importante”, ressalta.

Calza destaca ainda a relevância desse tipo de análise na restauração de obras de arte, pois ela permite que se utilize o pigmento original ou outro que seja o mais semelhante possível – já que alguns pigmentos à base de chumbo, mercúrio e arsênio deixaram de ser comercializados devido a sua alta toxidez. Além disso, é possível identificar exatamente as áreas em que houve algum tipo de restauro. “Assim, os restauradores podem remover retoques alterados e fazer outros sem danificar a pintura.”

Apesar de suas muitas utilidades, análises científicas em obras de arte são pouco realizadas no Brasil. Isso ocorre porque muitas obras são grandes, raras e têm alto valor, o que dificulta seu transporte ao laboratório. O equipamento portátil desenvolvido na Coppe possibilitou a análise de obras como o quadro Primeira Missa no Brasil, de Victor Meireles. A pintura, que pertence ao acervo do Museu Nacional de Belas Artes, está avaliada em cerca de R$ 6 milhões e mede 2,68 metros por 3,56 metros.

“Os curadores têm receio de que as obras sofram danos ao serem retiradas do museu. E, se isso fosse feito, seria necessário um forte esquema de segurança, o que implicaria custos”, comenta Calza. “Esse sistema portátil torna possível uma análise sistemática de obras de arte pioneira no país.”

Tatiane Leal
Ciência Hoje On-line
15/12/2008