Raposas provocam mudança profunda em ecossistema ártico

 

As raposas-do-ártico ( Alopex lagopus ), introduzidas em algumas das ilhas Aleutas, se alimentam dos pássaros marinhos que fertilizam a terra com seus excrementos e, com isso, provocam o empobrecimento do solo (fotos: Science )

Os manuais de ecologia pregam que a introdução de predadores exóticos em ecossistemas pode afetar seu delicado estado de equilíbrio dinâmico e provocar alterações imprevisíveis de grande impacto. Um estudo recente da Universidade da Califórnia em Santa Cruz (EUA) acaba de mostrar a magnitude de uma dessas transformações, resultante da introdução de raposas em algumas ilhas no Círculo Polar Ártico. Os pesquisadores constataram que, em um intervalo de apenas cem anos, os predadores introduzidos provocaram a substituição de um ecossistema inteiro por outro.
 
A pesquisa foi feita no arquipélago das Aleutas, que representa um verdadeiro laboratório natural para a realização de estudos desse tipo. No final do século XIX, foram introduzidas raposas do Ártico ( Alopex lagopus) em ilhas do arquipélago, para a exploração econômica da sua pele. Em algumas delas, a introdução não teve êxito. Outras não receberam os novos predadores e mantiveram suas características originais. Os pesquisadores compararam os ecossistemas das ilhas com e sem raposas e publicaram os resultados em 25 de março na revista Science .
 
As Aleutas são hábitats naturais para milhares de aves marinhas de cerca de 30 espécies diferentes. O excremento dessas aves (guano) é o principal fertilizante do solo vulcânico dessas ilhas, que é pobre em nutrientes e normalmente é coberto por um ecossistema de gramíneas. As raposas  gradativamente dizimaram as aves de algumas ilhas, seus solos empobreceram e os arbustos típicos da tundra, mais adaptados à falta de nutrientes, colonizaram a área e passaram a ser a vegetação predominante.
 
Para comparar os possíveis efeitos da introdução sobre o ecossistema, os pesquisadores coletaram plantas, animais e amostras de solo de 18 ilhas, metade com raposas e metade sem. As coletas foram realizadas durante três anos, sempre no fim da estação de crescimento, em agosto. Para estudar a fertilidade dos solos, foi medida a quantidade de dois nutrientes importantes – fósforo e nitrogênio, além da biomassa total da vegetação.
 

A vegetação das  Aleutas era caracterizada pela abundância de gramíneas (esq.). A introdução de raposas levou ao empobrecimento do solo e, em um intervalo de cem anos, a vegetação passou a ter predominantemente arbustos de tundra (dir.)

Os resultados mostraram que as ilhas livres de raposas tinham o solo consideravelmente mais fértil, além de maior biomassa. Naquelas em que os predadores haviam sido introduzidos, foram encontrados dez vezes mais arbustos típicos de vegetação de tundra dividindo espaço com gramíneas. “O empobrecimento do solo criou uma alteração na relação de competição”, explica o biólogo Rogério Parentoni, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Espécies de um ecossistema adjacente mais adaptado à escassez de nutrientes substituíram as gramíneas com uma rapidez impressionante.”

 
A proporção de dois isótopos de nitrogênio (14 e 15) presente em células de animais invertebrados e vegetais também foi medida, para descobrir a origem e a quantidade de nutrientes nas cadeias alimentares das ilhas. Nas ilhas sem raposas, foi encontrada uma concentração maior de N 15 , o que indica que esse nitrogênio foi obtido de “degraus mais altos” da cadeia alimentar. O N 15 presente na água é absorvido sucessivamente pelos organismos marinhos e por seus predadores – as aves, que por sua vez o disponibilizam no solo por meio do guano. A introdução das raposas diminui o número de aves e, conseqüentemente, a concentração de N 15 no ecossistema.
 

A pesquisa mostrou como um ecossistema inteiro pode ser substuído por outro, mediado pela ação de apenas uma espécie de predador, e permitiu comprovar a maneira como os ecossistemas marinho e terrestre das ilhas estão intimamente associados. “O aspecto mais importante do estudo foi observar essa ligação e a forma como a introdução das raposas alterou indiretamente esse equilíbrio”, afirmou à CH On-line o pesquisador Jim Estes, co-autor do trabalho.

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line
08/04/05