Reflorestar ou não reflorestar, eis a questão

Desmatou, replantou e o problema acabou, certo? Errado. Um estudo publicado neste domingo (19/6) na Nature Geoscience sugere que o aflorestamento, ou seja, o plantio de florestas em regiões já desmatadas há mais de 20 anos, não é uma estratégia eficiente para diminuir o impacto das emissões de carbono no clima do planeta.

Segundo o estudo, mesmo que fossem replantadas todas as terras de antigas florestas, hoje ocupadas por plantações e pastos, a diminuição na temperatura do planeta seria de apenas 0,45ºC de 2081 (quando as árvores já estivessem adultas) a 2100. Esse valor representa apenas 16% do aquecimento de 3ºC esperado para esse período caso nada seja feito.

Se 50% dessas terras fossem aflorestadas, a redução da temperatura seria de 0,25ºC. De acordo com o estudo, em cenários mais realistas, em que menos da metade das terras fossem convertidas em florestas, os benefícios para o clima seriam ainda menores.

O aflorestamento tem um impacto positivo, mas os seus benefícios são pequenos comparados ao impacto das emissões de gases-estufa

“O aflorestamento tem um impacto positivo, mas os seus benefícios são pequenos comparados ao impacto das emissões de gases-estufa causadas pelo homem, o que leva a crer que essa medida não substitui a redução dessas emissões”, afirma um dos autores do estudo, o oceanógrafo brasileiro Álvaro Montenegro, do Centro de Pesquisas de Ciências Ambientais do Canadá.

O pesquisador ressalta que tanto o cenário de 100% de aflorestamento quanto o de 50%, além de impossível concretização, seriam inviáveis por conta da demanda pela produção de alimentos e servem apenas para demonstrar que o efeito do plantio de florestas na regulação do clima é pequeno.

“A melhor solução para conter o aumento da temperatura é simples: cortar nossas emissões significativamente”, sugere Montenegro.

Florestas frias aquecem mais

A pesquisa mostra que a baixa eficiência do aflorestamento global se deve ao efeito contrário que o plantio de árvores provoca nas regiões de alta altitude e clima boreal, como Canadá, e de clima temperado, como Estados Unidos e parte da Europa.

Nesses locais, o aflorestamento causa menos resfriamento do que as plantações, pois a neve que as cobre atua como um espelho, que reflete a luz e o calor do Sol para o espaço, resfriando a temperatura.

Florestas boreais
O aflorestamento em regiões de clima boreal e temperado causa menos resfriamento do que as plantações, pois a neve que as cobre atua como um espelho, refletindo a luz e o calor do Sol para o espaço e diminuindo, assim, a temperatura. (foto: Association Peuple Loup/ CC BY-SA 2.0)

Já as florestas, além de apresentarem menos superfícies cobertas de neve e, assim, devolverem menos calor ao espaço, absorvem uma parcela maior da luz do Sol, elevando a temperatura. Esse aquecimento compensa o resfriamento natural que as árvores provocam ao absorver carbono da atmosfera durante a fotossíntese.

Os pesquisadores calcularam que se 50% das terras de antigas florestas em zonas boreais fossem arborizadas, a diminuição da temperatura do planeta de 2081 a 2100 seria de míseros 0,04ºC. Para as zonas temperadas esse valor seria de 0,11ºC.

Equilíbrio tropical

Nos trópicos não existe esse problema e as florestas contribuem mais para o esfriamento do clima. Essas florestas, além de absorverem carbono mais rapidamente, “suam” mais e com isso não só perdem o calor que absorvem do Sol, como lançam mais água na atmosfera, o que provoca redução da temperatura.

“Nas florestas tropicais, as árvores atingem um “equilíbrio ideal” e o resultado é que a arborização nessa região é cerca de três vezes mais eficaz em termos de redução do aquecimento do que em zonas temperadas e boreais”, afirma Montenegro.

Apesar dos benefícios, as áreas suscetíveis ao aflorestamento nos trópicos são menores do que nas regiões temperadas e boreais. Se 50% dessas terras fossem replantadas, a temperatura do planeta reduziria apenas 0,16ºC de 2081 a 2100.

Floresta tropical
Nas florestas tropicais, o aflorestamento é três vezes mais eficaz do que nas demais florestas. No entanto, mesmo que todas as terras tropicais usadas para agropecuária fossem arborizadas, a temperatura do planeta não mudaria muito. (foto: Flickr/ Paula FJ – CC BY-NC-SA 2.0)

Ainda assim, segundo Montenegro, o aflorestamento, somado à suspensão do desmatamento, deve ser usado como estratégia de mitigação de carbono nos países tropicais, como no caso do Brasil.

O biólogo Jean Remy Guimarães, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lembra ainda que os benefícios do aflorestamento vão além das questões climáticas. “Esse estudo se fixou apenas no aspecto da temperatura, mas a arborização desempenha muitos outros serviços ambientais, como a fixação de carbono a longo prazo (tanto na própria biomassa como no solo), a regulação do ciclo da água e manutenção da biodiversidade.”

“Esse estudo se fixou apenas no aspecto da temperatura, mas a arborização desempenha muitos outros serviços ambientais”

Guimarães também ressalta que os resultados do estudo não devem ser usados para justificar o não reflorestamento de terras brasileiras. Segundo cálculo do Ministério do Meio Ambiente, caso o novo documento do Código Florestal entre em vigor, 15 milhões de hectares de terra, o equivalente ao território do Acre, não precisarão ser reflorestados.

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line