Refúgios na mata atlântica

Sapos da espécie Hypsiboas semilineatus (na foto), muito comuns na mata atlântica, usaram áreas centrais da floresta como abrigo durante variações climáticas da última era glacial (foto: Ana Carnaval).

Embora não recebam muita atenção dos governos na elaboração de políticas de conservação, as áreas centrais da mata atlântica, que estão entre as mais desmatadas, servem como refúgio para alguns animais e podem abrigar uma surpreendente diversidade. O alerta é de um estudo brasileiro e norte-americano que mostra que certas espécies de sapos habitam essas regiões há milhares de anos e sobreviveram às variações climáticas da era glacial.

Os resultados da pesquisa, publicada na Science desta semana, revelam que o corredor central da mata atlântica (localizado no Espírito Santo e no sul da Bahia) e uma pequena área em Pernambuco mantiveram condições ambientais estáveis, que permitiram a permanência das três espécies de sapos estudadas: Hypsiboas albomarginatus, H. semilineatus e H. faber. Por outro lado, áreas ao sul eram mais instáveis e sua colonização por esses anfíbios teria ocorrido mais recentemente.

As três espécies de sapos estudadas pelos pesquisadores – entre elas, a Hypsiboas albomarginatus (na foto) – apresentam maior diversidade genética nas áreas mais centrais da mata atlântica, o que indica que habitam a região há muito tempo (foto: Miguel Rodrigues).

Para identificar essas áreas, os pesquisadores mapearam a distribuição geográfica dos sapos em três momentos: hoje, há 6 mil anos (quando as condições ambientais locais eram mais frias e úmidas) e há 21 mil anos, no último máximo glacial (período frio e seco). Os mapas foram gerados por simulação computacional com base nas características geográficas e ambientais adequadas a cada espécie e em modelos de previsão do clima no passado.

Depois, a equipe analisou amostras de DNA mitocondrial de 184 sapos das três espécies, para verificar sua variação genética. “Os sapos das áreas centrais, mais estáveis, tinham maior diversidade genética”, conta à CH On-line um dos autores do artigo, o herpetólogo Miguel Rodrigues, da Universidade de São Paulo (USP). Isso significa que as espécies viveram e evoluíram na região por um período de tempo mais longo.

Por outro lado, no sul da mata atlântica os sapos apresentaram diversidade genética muito menor, o que indica uma ocupação recente. “Nas áreas instáveis, as populações podem ter sido extintas e, depois, houve uma nova colonização”, explica o pesquisador.

A maior diversidade genética em animais do corredor central da mata atlântica foi corroborada pelos pesquisadores por meio de uma nova análise de dados genéticos já publicados de mamíferos e répteis da região. Uma pesquisa recente com aves também apontou esse padrão.

Diversidade biológica
A primeira autora do artigo da Science, a herpetóloga Ana Carolina Carnaval, da Universidade da Califórnia (Estados Unidos), ressalta que a variabilidade genética de cada espécie é um indicador potencial dos níveis de biodiversidade do ecossistema como um todo. “Nosso estudo sugere que deve haver um grande número de espécies ainda não descritas e alto nível de endemismo na região central da mata atlântica”, diz. Mas, segundo Rodrigues, grande parte da diversidade biológica da região já foi perdida por causa das altas taxas de desmatamento.

O estudo mostra que a espécie Hypsiboas faber (na foto) usou uma terceira região da mata atlântica, localizada em São Paulo, como refúgio no período glacial (foto: Ana Carnaval).

O método criado pelos pesquisadores pode ser usado para orientar a definição de áreas prioritárias de pesquisa e conservação na mata atlântica. O bioma, muito rico em diversidade de espécies (várias delas exclusivas), hoje está reduzido a menos de 8% de sua cobertura original. “Essa abordagem também pode ser aplicada a outros grandes ecossistemas ameaçados, como a Amazônia, a caatinga ou as florestas remanescentes do Congo [na África]”, completa Rodrigues.

O herpetólogo explica que o ideal é preservar a maior diversidade genética de uma espécie, para conservar adaptações que garantam sua sobrevivência a mudanças ambientais. “Além disso, as áreas de estabilidade tendem a se manter estáveis”, acrescenta. “Logo, é possível que seu ecossistema permaneça estável no futuro, mesmo com as mudanças climáticas previstas atualmente.”

O pesquisador ressalta que as áreas centrais da mata atlântica podem não ter sido os únicos refúgios de biodiversidade durante a era glacial. “O sul da floresta pode ser uma área de grande diversidade genética para outros grupos de animais”, pondera. “Isso depende dos requisitos ecológicos exigidos por cada espécie e de sua história.”

Agora a equipe, que também conta com pesquisadores da City University de Nova York (Estados Unidos) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), está verificando se lagartos e outras espécies de sapos repetem os padrões de distribuição identificados na pesquisa.

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
05/02/2009