Retrato da biodiversidade brasileira em 1500

 

“Viram um novo animal, como que monstruoso, que tinha corpo e focinho de raposa, a garupa e os pés de trás de macaco e os da  frente quase como de homem, as orelhas como de morcego…” 

Descrição de marsupial achado no litoral norte da América do Sul segundo cronistas que relatam a expedição de 1499 do navegador Vicente Pinzón.

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Os répteis foram alguns dos animais que mais impressionaram os navegadores europeus, como o português Valentim Fernandes, que envia à Europa a pele de “um verdadeiro crocodilo”, nas palavras dele

O trecho acima reflete a surpresa dos europeus frente às singulares e pitorescas espécies que encontraram ao chegar no Novo Mundo. A exuberância dessa natureza fez dela um ponto recorrente nos relatos de viagem da época. Grande parte desses registros, que ajudam a contar a história da biodiversidade brasileira, encontra-se agora compilada no livro Os primeiros documentos sobre a história natural do Brasil , organizado pelos zoólogos Dante Teixeira e Nelson Papavero e lançado pela editora do Museu Emílio Goeldi.

A idéia inicial era fazer um dicionário com cerca de 25 mil verbetes, que reunisse os nomes populares de todos os animais da fauna brasileira identificados desde 1500. A busca por referências para o projeto levou os zoólogos aos documentos dos primeiros navegantes que estiveram no Brasil, que se mostraram tão interessantes quanto o próprio dicionário.

Os pesquisadores levaram mais de um ano para reunir cartas e documentos dos pioneiros cronistas que narraram o Brasil, que fazem parte do acervo do Museu Nacional e da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. São relatos de viagem de Pedro Álvares Cabral, Américo Vespúcio e vários outros navegantes que, pela falta de fontes ou pela contradição destas, são menos conhecidos pela história brasileira.

 

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Eis como um ‘piloto anônimo’ de Cabral descreve um peixe-boi: “um peixe que (…) tinha a cabeça como um porco e os olhos pequenos, não tinha dentes e tinha orelhas compridas do tamanho de um braço (…); não tinha nenhum pé em sítio nenhum, tinha pêlos como os do porco e o couro era grosso como um dedo.”

Esse é o caso de Vicente Yáñez Pinzón. O relato de sua viagem, escrito por um dos maiores cronistas italianos da época, Pietro Martire, indica que ele pode ter chegado às terras brasileiras no começo de 1500, alguns meses antes de Cabral. Este teve a viagem narrada na famosa carta de Pero Vaz de Caminha e por um ‘piloto anônimo’. Os documentos portugueses são ricos em detalhes e citam diversas espécies de nossa flora e fauna — como mandioca, genipapo, urucum, palmito, camarões e mariscos, com destaque para a diversidade de cores e tamanhos de araras e papagaios.

 

A polêmica sobre as viagens de Américo Vespúcio compõe um capítulo à parte no livro. Embora estejam publicadas cartas que remetem a quatro jornadas do navegador rumo ao Novo Mundo, acredita-se que apenas duas de fato ocorreram. Em uma delas, Américo teria alcançado o Amazonas ainda em 1499, antes de Pinzón e Cabral. Na outra, a mando do rei de Portugal, ele navega por grande parte da costa brasileira em 1501.

Os primeiros documentos sobre a história natural do Brasil ainda contém relatos das viagens de Valentim Fernandes (que envia à Europa um exemplar de pele de jacaré), de Binot de Paulmier (um dos pioneiros franceses a virem ao Brasil), de Alfonso de Albuquerque (que chegou a Fernando de Noronha) e da nau Bretoa, que fazia o transporte de pau-brasil. Os documentos descrevem várias espécies de plantas e animais brasileiros, como peixes voadores e botos.

Embora caracterizado como uma compilação de textos históricos, o livro estende seu alcance ao situar no tempo e espaço os documentos e contextualizar a forma como foram produzidos. O resultado é um rico relato sobre a biodiversidade brasileira na época do descobrimento e uma verdadeira aula de história.

 

Os primeiros documentos sobre a história natural do Brasil –
viagens de Pinzón, Cabral, Vespucci, Albuquerque,
do Capitão de Gonneville e da Nau Bretoa

Dante M. Teixeira e Nelson Papavero
Belém, 2003, Museu Paraense Emílio Goeldi
213 páginas – R$ 20
Para comprar o livro, entre em contato com o
museu por telefone (91 217-6054) ou e-mail

Gisele Lopes
Ciência Hoje on-line
12/05/03