Rolou uma química

A área da ciência que esteve em maior evidência no mundo em 2011 foi a química. Não por causa de uma descoberta revolucionária ou de um avanço pontual, mas pelas inúmeras atividades ligadas à divulgação da ciência que estuda a estrutura e transformação das substâncias. Como o leitor deve saber, 2011 foi proclamado pela Organização das Nações Unidas o Ano Internacional da Química (AIQ).

Durante o ano, dois novos elementos foram incorporados à tabela periódica, e a Academia Real de Ciências da Suécia chamou a atenção ao conceder o Nobel de Química ao israelense Daniel Shechtman pela descoberta dos quasicristais, feita há quase 30 anos.

Quanto à pesquisa na área, o foco esteve principalmente na nano e biotecnologia

Quanto à pesquisa na área, o foco esteve principalmente na nano e biotecnologia. Observou-se ainda forte aproximação da química com a sustentabilidade por meio do estudo de processos naturais.

O AIQ começou oficialmente em 27 de janeiro com uma cerimônia na sede da Unesco, em Paris. No Brasil, a comemoração foi considerada um sucesso pela coordenadora geral das atividades no país, Claudia Rezende, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Até a primeira quinzena de dezembro, o portal criado para reunir informações do AIQ no Brasil registrou quase 200 mil visitas e perto de 500 mil visualizações de páginas, provenientes de todo o Brasil e de outros 92 países.

Entre as principais ações realizadas no país, Rezende destaca o projeto ‘pH do planeta’, a exposição ‘A química no cotidiano’ e o lançamento do livro A química perto de você.

Na primeira ação, alunos de ensino fundamental e médio receberam kits para medição de pH, salinidade e pureza de amostras d’água das cidades em que moram. Os resultados foram reunidos em um portal na internet e revelam um panorama da qualidade da água em todo o Brasil. “Foi o maior experimento científico já realizado em escolas brasileiras”, afirma Rezende. Mais de 35 mil kits foram distribuídos.

pH do planeta
Índios desanas assistem à medição do pH da água de fonte local em aldeia de Manaus. (foto: divulgação/ AIQ)

A exposição ‘A química no cotidiano’ foi uma iniciativa da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e do Museu da Vida, da Fundação Oswaldo Cruz. Trata-se de um conjunto de 20 painéis que contam a história e falam da importância da química. O material pode ser baixado em formato PDF para ser replicado por qualquer escola.

Já o livro A química perto de você, também disponível para download em formato digital e voltado para escolas, reúne experimentos de baixo custo testados em laboratórios da Universidade Federal de Santa Maria (RS). Foi o arquivo mais baixado de todo o portal do AIQ no Brasil.

As três atividades citadas por Rezende ajudaram a aproximar a SBQ das escolas de educação básica. “Pela primeira vez tivemos contato direto com grande número de professores de ensino fundamental e médio”, diz a coordenadora do evento.

O impacto disso deve se refletir a médio e longo prazo, com maior procura dos estudantes por carreiras ligadas à pesquisa. “Um de nossos objetivos foi retirar da química o rótulo de vilã.”

Prêmios Nobel no Brasil

Vários pesquisadores laureados com o Nobel na área, como o britânico Harold Kroto (premiado em 1996), o estadunidense Martin Chalfie (2008) e o japonês Akira Suzuki (2010), estiveram no Brasil para ajudar a divulgar a ciência. Chalfie, que abriu a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, em outubro, medindo o pH da água do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, ficou tão encantado com o que viu que disse que pretende voltar ao país em breve.

pH do planeta no Rio
Prêmio Nobel de Química de 2008, Martin Chalfie (em pé, à esquerda) faz medição do pH de amostras d’água no Complexo do Alemão, no Rio, na abertura da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, em outubro. À direita, o secretário executivo do ministério da C,T&I, Luiz Antônio Rodrigues Elias. (foto: divulgação/ AIQ)

Em um único evento, a Escola São Paulo de Ciência Avançada em Produtos Naturais, Química Medicinal e Síntese Orgânica, realizada na Universidade Estadual de Campinas em agosto, quatro detentores de Nobel de Química estiveram presentes: o suíço Kurt Wütrich (2002), o estadunidense Richard Schrock (2005), a israelense Ada Yonath (2009) e o japonês Ei-Ichi Negishi (2010).

Neste ano, a química invadiu até a mais tradicional festa popular brasileira. Em Recife e Olinda (PE), os carnavalescos viram desfilar bonecos gigantes das cientistas Marie Curie (1867-1934) e Johanna Döbereiner (1924-2000). Maceió assistiu ao desfile do bloco ‘AIQ bom’.

A revista Ciência Hoje e a CH On-line também participaram das comemorações com a publicação ao longo do ano de uma série de artigos e reportagens sobre química.

Química e mulheres

O AIQ foi instituído para comemorar os cem anos do Nobel de Química da polonesa Marie Curie, primeira mulher a receber o prêmio e até hoje a única a ganhar dois Nobel. Em 1903 ela foi agraciada com o de Física.

Curie foi laureada por descobrir os elementos rádio e polônio, por isolar o rádio e por estudar a natureza e os compostos desse elemento. Um século depois, a participação feminina na ciência ainda é restrita, mas elas já ocupam vários postos de liderança.

Além do centenário do prêmio Nobel de Química de Marie Curie, o ano de 2011 marcou a comemoração de outros episódios importantes na história da química, como os 100 anos da criação do modelo atômico de Ernest Rutherford (1871-1937).

Tendência

Em 2011 não houve nenhum feito revolucionário na química. Mesmo assim, o presidente da SBQ, César Zucco, considera que a ciência vive um momento importante em sua história por causa do caminho que tem tomado em direção à sustentabilidade ambiental. “Vivemos uma fase de transição”, afirma.

Ele explica que a tendência dos químicos de todo o mundo é buscar, cada vez mais, processos e produtos naturais em vez de investir apenas na síntese de substâncias. “Essa é uma das grandes lições que tiramos do AIQ.”

A tendência dos químicos de todo o mundo é buscar processos e produtos naturais em vez de investir apenas na síntese de substâncias

Nesse sentido, Zucco classifica as pesquisas nas áreas de nano e biotecnologia como as mais promissoras. “A utilização de fibras naturais misturadas com polímeros pode substituir o uso de metais, que são finitos, na construção de produtos”, exemplifica.

Otto Gottlieb

O ano também foi de luto para a química brasileira. No dia 20 de junho morreu, aos 90 anos, Otto Richard Gottlieb, pesquisador de origem tcheca que se naturalizou brasileiro. O cientista ficou conhecido mundialmente pelo estudo do metabolismo de plantas e produtos naturais, trabalho que rendeu a ele três indicações ao Nobel.

O químico polonês Roald Hoffmann, laureado com o prêmio em 1981, resumiu o legado de Gottlieb à CH On-line: “Otto foi um grande cientista, responsável pela formação da química de produtos naturais no Brasil”. Área que César Zucco, presidente da SBQ, considera a mais importante nos dias de hoje.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR