Rumo a um novo fármaco contra hepatite C

Uma proteína presente em diversas células do corpo pode ser a chave para o combate da hepatite C. A molécula é capaz de impedir que o vírus que causa a doença se instale no fígado das pessoas infectadas, como mostra pesquisa realizada na França. No futuro, o mecanismo de ação dessa proteína poderá inspirar o desenvolvimento de fármacos para tratar a hepatite C de forma mais eficiente e sem efeitos colaterais.

A hepatite C afeta 130 milhões de pessoas em todo o mundo e cerca de 2% da população brasileira. De 60% a 80% dos pacientes desenvolvem a forma crônica da doença, que pode evoluir para cirrose ou câncer no fígado. Não existe vacina contra o vírus da hepatite C (HCV) e o tratamento, cuja duração varia de 6 meses a um ano em função do tipo viral, tem eficácia limitada: cerca de 60% das pessoas tratadas não são curadas. Além disso, há muitos efeitos colaterais indesejáveis, como náusea, perda de apetite e emagrecimento.

Representação esquemática da interação das proteínas EWI-2wint e CD81, que bloqueia a entrada do vírus da hepatite C em diversas células do corpo. As células do fígado não expressam a EWI-2wint, o que pode explicar por que elas são infectadas (imagem: Sophana Ung/ CNRS).

A novidade contra a doença veio de estudo feito por uma equipe do Instituto de Biologia de Lille e do Instituto Pasteur de Lille, na França, com a participação de uma pesquisadora brasileira e de cientistas norte-americanos. O grupo identificou uma proteína, chamada EWI-2wint, que pode bloquear o início do ciclo infeccioso do HCV. Trata-se de uma molécula derivada de um corte na proteína EWI-2, que os cientistas acreditam atuar na migração celular.

A EWI-2wint se associa a outra proteína, a CD81, que está presente na superfície das células do fígado e tem a habilidade de interagir entre si e com outras proteínas celulares. A CD81 é usada como proteína receptora, ou seja, como porta de entrada pelo HCV. A associação das duas proteínas inibe a interação do vírus com a CD81 e impede que ele penetre nas células hepáticas. Embora o HCV use também outras proteínas para se instalar no fígado dos pacientes, ele necessita principalmente da CD81 e de outras duas moléculas receptoras para realizar esse processo.

Quarteto fantástico
A descoberta, publicada na semana passada na revista PLoS One , foi feita quando os pesquisadores investigavam por que o HCV não infecta outras células do corpo que também possuem as três proteínas principais responsáveis pela entrada do vírus. Eles verificaram que, ao contrário do que acontece no fígado, outros tipos celulares tinham, além dessas moléculas, a proteína EWI-2wint.

Para confirmar a ação bloqueadora da EWI-2wint, a equipe introduziu em células do fígado cultivadas in vitro a seqüência de DNA responsável pela expressão dessa proteína. Depois que a EWI-2wint passou a ser produzida nas células hepáticas, estas foram submetidas à infecção pelo HCV.

“A EWI-2wint inibiu até 80% da infecção”, conta à CH On-line a biomédica brasileira Vera Rocha-Perugini, primeira autora do artigo. “Não sabemos se as células restantes continuaram infectadas porque não expressaram a proteína ou se há outro mecanismo envolvido”, diz Rocha-Perugini, que é aluna de doutorado do Laboratório de Hepatite C do Instituto de Biologia de Lille e Instituto Pasteur de Lille.

Segundo a pesquisadora, ainda não se sabe como a proteína impede a entrada do vírus nas células. ”Uma das hipóteses é que a EWI-2wint bloqueie o sítio de recepção da CD81; outra é que esse sítio seja modificado e o vírus não consiga mais reconhecê-lo.”

A equipe pretende agora descobrir como esse bloqueio ocorre e se a falta da EWI-2wint é o principal fator que determina a infecção hepática. “É preciso observar se outras células que originalmente expressam as quatro proteínas seriam infectadas pelo HCV na ausência de EWI-2wint”, diz Rocha-Perugini. E acrescenta: “Com o mecanismo de ação da EWI-2wint decifrado, será possível no futuro criar moléculas terapêuticas com capacidade semelhante de bloquear o HCV.” 

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
10/04/2008