Salgado até demais

 

       

Quem quiser testar se a água do mar é realmente salgada pode se surpreender: talvez ela já não tenha o mesmo sabor de pelo menos 40 anos atrás. Na zona tropical, ela está muito mais salgada. É isso que confirmam três pesquisadores que analisaram o oceano Atlântico entre as décadas de 1950 e 1990. Em artigo publicado na revista Nature em 18 de dezembro de 2003, eles apontam o motivo desse fenômeno.

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Segundo a autora principal do estudo, a geóloga Ruth Curry, do Instituto Oceanográfico Woods Hole (EUA), o aquecimento global é sem dúvidas um dos principais responsáveis pela maior concentração de sal no Atlântico. “O aumento da temperatura do mar nos trópicos desregula o ciclo das águas, o que pode alterar a distribuição, a severidade e a freqüência de secas, inundações e tempestades, entre outras conseqüências ambientais”, diz o artigo.

O desequilíbrio no ciclo hidrológico da Terra ocorre porque as águas superficiais são aquecidas com rapidez, o que acelera a evaporação. No entanto, como o sal não é trocado com a atmosfera nesse processo, ele não apenas se conserva nos oceanos, mas se expande por algumas regiões do Atlântico de água predominantemente mais doce, como o mar Mediterrâneo, o que pode causar problemas aos ecossistemas marinhos.

Em situação ideal, esse ciclo se completa quando a água evaporada nos trópicos é naturalmente transportada para as zonas polares, onde se precipita sob forma de neve ou chuva, e migra novamente para a região equatorial. Entretanto, em função do aumento da evaporação nas últimas quatro décadas — entre 5 e 10%, segundo a equipe de Curry –, as precipitações no Ártico e na Antártida têm se tornado mais intensas, o que ameaça a regulação térmica em várias partes do mundo.

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As regiões vermelhas, nos trópicos, indicam uma maior salinidade do oceano Atlântico (reprodução/ Nature )

A corrente do Golfo, por exemplo — que se origina no golfo do México, passa pela costa leste da América do Norte e chega ao norte da Europa –, só consegue levar águas quentes para zonas muito frias porque na região ártica grandes massas de água congelam e submergem o bastante para não atrapalhar a passagem da corrente. Se, no entanto, a zona polar receber mais água doce (das precipitações), esses blocos salgados deixarão de afundar e impedirão a chegada das águas mornas capazes de amenizar o frio no Atlântico Norte — situação que tem sido registrada com cada vez mais intensidade.

A equipe de Curry coletou e analisou água em diferentes épocas, profundidades e regiões do Atlântico. Em seguida, foram construídas representações tridimensionais das propriedades do oceano com base nessas amostras e, então, as informações foram comparadas. Assim, Curry pôde não só interpretar os dados, mas fazer previsões sobre a quantidade de água evaporada a cada ano e, com isso, avaliar o aumento na salinidade do oceano.

Segundo Curry, ainda que as providências sejam urgentes, será possível qualificar as mudanças climáticas com maior precisão quando estudos semelhantes nos oceanos Pacífico e Índico e no mar Mediterrâneo forem concluídos. Em entrevista à CH On-line , ela alerta: “a emissão de gases que provocam o efeito estufa precisa ser reduzida imediatamente, ou ao menos estabilizada. Mas infelizmente não creio que isso aconteça num futuro próximo”.

Andreia Fanzeres
Ciência Hoje On-line
03/02/04