Saltos gigantes e velozes em Marte

A movimentação de dunas de areia na atmosfera rarefeita de Marte acaba de ganhar uma explicação. Simulações computacionais conduzidas por pesquisadores brasileiros concluíram que rajadas de vento raras fazem os grãos de areia darem saltos gigantes e velozes e percorrerem trajetórias mais longas e mais altas do que as observadas nas dunas terrestres. Esse fenômeno poderia explicar ainda o surgimento de tempestades de poeira no planeta vermelho.

Rajadas de vento fortes e pouco freqüentes em Marte promovem uma ampla movimentação de grãos de areia, responsável pelo surgimento de dunas e ondulações, como as observadas recentemente na planície conhecida como Planum Meridiani (imagem: JPL / Nasa / PNAS).

Observações espaciais recentes forneceram evidências de que dunas podem se formar e se mover em Marte. Mas os cientistas estimavam que, para dar início a esse processo, seriam necessários ventos de 58 m/s (a um metro de altura), velocidade considerada difícil de ser atingida na atmosfera marciana. A velocidade média do vento em Marte fica abaixo de 4,7 m/s.

Com base em simulações feitas em um túnel de vento virtual, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) descobriram que ventos com velocidades de 25 m/s a um metro de altura já seriam capazes de iniciar a chamada saltação em Marte, responsável pela formação e movimentação de dunas e ondulações na areia. Esse fenômeno ocorre quando uma partícula é levantada e acelerada pelo vento em uma trajetória próxima ao solo e, na aterrissagem, colide com outras partículas, que ficam suspensas na atmosfera e são carregadas pelo vento.

Segundo os cientistas, ventos com velocidades superiores a 25 m/s já foram observados por sondas espaciais em Marte: eles ocorrem poucas vezes por ano ou década e têm curta duração. Essa freqüência depende muito da região do planeta. “Isso pode explicar por que as dunas de Marte têm pouca mobilidade”, diz à CH On-line o matemático aplicado Murilo Almeida, do Departamento de Física da UFC.

Na Terra, o transporte de grãos de areia se inicia com ventos bem menos velozes: de 6,2 m/s. A necessidade de uma velocidade de vento maior em Marte para arrastar as partículas deve-se a sua atmosfera rarefeita.

Grãos de areia terrestres e marcianos
Os pesquisadores compararam as condições de saltação da areia em Marte e na Terra. O modelo computacional usado por eles é capaz de analisar a interação entre partículas sólidas submetidas a um fluxo de vento e o ar. Esse programa foi alimentado com dados sobre a gravidade, a densidade e a viscosidade do ar e o tamanho e a densidade das partículas típicas de Marte. O padrão de saltação da areia na Terra já havia sido calculado anteriormente pelo mesmo modelo e confirmado por dados experimentais.

Os resultados, publicados esta semana na PNAS, mostram que os grãos de areia de Marte têm padrões de saltação gigantes, se comparados com os da Terra: eles percorrem trajetórias 100 vezes mais longas e mais altas e alcançam velocidades cinco a 10 vezes maiores. “Na Terra, a saltação é de cerca de 10 cm de altura e um metro de distância; em Marte, a partícula atinge 10 m de altura e percorre 100 m”, conta Almeida. Essa grande diferença é explicada pela densidade do ar e gravidade mais baixas no planeta vermelho.

As altas velocidades de impacto dos grãos de areia obtidas na simulação permitem compreender a grande erosão dos solos marcianos durante as raras rajadas de vento que ocorrem no planeta. Essas velocidades, aliadas às trajetórias gigantes dos grãos, também poderiam explicar o surgimento de tempestades de poeira em Marte.

Segundo os pesquisadores, a velocidade de vento necessária para carregar a poeira diretamente para a atmosfera marciana é cerca de uma ou duas vezes maior do que para levantar a areia, devido às grandes forças de coesão existentes entre as partículas de poeira. “Acreditamos que a colisão do grão de areia com o solo durante a saltação seja capaz de liberar no ar partículas bem menores”, estima Almeida. Assim, para formar uma tempestade de poeira marciana, o vento só precisaria levantar um pouco de areia e iniciar a saltação.

A partir dos resultados obtidos para Terra e Marte, os pesquisadores desenvolveram uma fórmula capaz de calcular o comprimento e a altura das trajetórias de saltação e o fluxo dos grãos durante esse fenômeno em função da velocidade do vento sob as mais variadas condições físicas. A equipe pretende agora aplicar esse modelo para analisar os padrões de saltação em outros planetas e em luas onde também haja dunas.  

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
28/04/2008