Saúde para todos

Avaliar modelos e compartilhar ideias sobre sistemas de saúde do mundo todo; este é o principal objetivo do II Simpósio Global sobre Pesquisas em Sistemas de Saúde, que será realizado entre 31 de outubro e 3 de novembro, em Beijing, na China.

O evento, promovido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em parceria com a Universidade de Pequim, terá como tema-chave a cobertura universal de saúde – questão que tem suscitado longas discussões em países que tentam sua implantação, como Estados Unidos, e que ainda levanta controvérsias em países que, em teoria, já adotam o sistema, como o Brasil.

Durante os quatro dias do simpósio, em mais de 60 sessões e palestras, representantes dos 194 países membros da OMS, inclusive do Brasil, irão abordar desafios, vitórias e fracassos de sistemas de saúde. Problemas específicos de cada país, entraves financeiros para a cobertura universal e inovações na área não vão ficar de fora nas discussões.

A troca de experiências é um dos grandes destaques do simpósio. A cientista política Vera Schattan Coelho, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), vai representar o Brasil nessa troca. Em uma mesa-redonda no evento, ela vai apresentar aos chineses, anfitriões do evento, a experiência brasileira com o Sistema Único de Saúde (SUS).

Entre o público e o privado

Nas últimas décadas, a China tem promovido diversas reformas em seu sistema de saúde. A mais recente, anunciada em 2009, tem como meta alcançar a cobertura universal até 2020. No momento, segundo a OMS, 95% da população de 1,3 bilhão de pessoas já estão asseguradas. Mas diferentemente do Brasil, onde o governo financia integralmente a saúde, na China, a população divide as despesas com o governo e tem que pagar por parte das consultas e tratamentos.

“O sistema de saúde chinês tem movimentos entre público e privado muito diferentes do sistema brasileiro”, comenta Coelho. “Aqui, há certa penetração da rede privada – cerca de 30% da população tem planos de saúde e usam o SUS apenas de forma seletiva –, mas a grande maioria usa o SUS e recebe atendimento e medicamentos gratuitamente.” 

“A experiência brasileira de forte participação social via conferências e os demais mecanismos de governança que sustentam o SUS podem servir de exemplo para os chineses”

Segundo a pesquisadora, o sistema de saúde brasileiro pode servir de exemplo em muitos aspectos, principalmente na participação social. Desde o início da implantação do SUS, ele conta com conferências abertas à sociedade civil. Essas reuniões, realizadas a cada quatro anos, têm por objetivo avaliar a situação da saúde e formular diretrizes para políticas públicas na área.

“Viabilizar um sistema público de saúde não é fácil, principalmente um sistema como o nosso, em que não se paga nada”, diz Coelho. “A experiência brasileira de forte participação social via conferências e os demais mecanismos de governança que sustentam o SUS podem servir de exemplo para os chineses.”

Identificando problemas

No simpósio também serão apresentados diagnósticos da situação dos sistemas de saúde pelo mundo. A farmacêutica Vera Luiza, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é uma das pesquisadoras que vai participar desse tipo de debate. Durante um ano, ela e sua equipe fizeram um levantamento para identificar temas prioritários em relação ao acesso a medicamentos em 12 países da América Latina.

Parlamentares, médicos e pesquisadores da região foram entrevistados e também foi feita uma pesquisa sobre as publicações na área. De acordo com Luiza, os problemas encontrados foram os mesmos sinalizados em estudos semelhantes de escala global. Implantar modelos de financiamento de acesso público a medicamento que atendam a todos é um dos maiores desafios.

“No Brasil, os medicamentos são assegurados à população via seguridade social, mas muitos países têm problemas de cobertura, pessoas fora do mercado de trabalho, por exemplo, ficam sem proteção e não recebem esses medicamentos”, exemplifica a pesquisadora.

Medicamentos
Estudo mostra que os modelos públicos de financiamento de medicamentos e o acesso da população a esses remédios ainda enfrentam dificuldades na América Latina. Dados sobre a pesquisa serão apresentados em simpósio na China. (foto: Adam Ciesielski/ Sxc.hu)

Outro entrave comum identificado pelo estudo é o mau uso dos mecanismos oferecidos pelos programas de financiamento público de remédios. Segundo a pesquisadora, uma das maiores dificuldades é a não adesão dos médicos às listas de medicamentos gratuitos estabelecidas pelos governos de cada país. “Se os médicos não receitam os remédios dessas listas, de nada adiantam os esforço para que os medicamentos sejam disponibilizados.”

Apesar de os problemas identificados ocorrerem também no Brasil, Luiza acredita que nosso país tem progredido na área e pode contribuir com as discussões do simpósio. “O Brasil é uma liderança na área de medicamentos, tem uma agenda bem definida de pesquisa em saúde”, diz. “Apesar de todos os problemas que ainda enfrentamos na área de saúde, temos avançado muito com políticas bem definidas e baseadas em evidências científicas.”

Sofia Moutinho*
Ciência Hoje On-line

* A repórter foi convidada pela OMS para cobrir o II Simpósio Global sobre Pesquisas em Sistemas de Saúde, em Beijing, China.